“Peguem-no!”ou o clássico “Os tiras vêm aí!”. Quem já ouviu essas falas em alguma dublagem antiga? Eu, com certeza, e aposto que você também. Por mais nostálgicas que sejam, muitos hoje olham para algumas dublagens de décadas atrás e dão aquela risadinha, pois havia, de fato, algumas falas que não eram muito, digamos, verossímeis, não é verdade? E você sabia que isso tem um nome dado pelos próprios dubladores? Pois é, esse é o famoso dublês. Quer saber um pouco mais sobre isso? Então vem comigo pra conversarmos sobre esse assunto aqui no post de hoje do Traduzindo a Dublagem! 😉
Tentando explicar de forma sucinta, o dublês era o idioma falado apenas em filmes dublados e não no dia a dia como, supostamente, deveria ser. Expressões como as duas que mencionei no começo do post, por exemplo, só eram vistas em dublagens e, cá pra nós, você não ouvia “tiras” ou “peguem-no!” na vida real. Entretanto, para a discussão não ficar rasa, é preciso entender a origem disso (pois tudo tem um porquê!), então vamos voltar alguns bons anos no tempo.
Muitos não sabem, mas a dublagem é como uma espécie de filha do rádio-teatro, ou seja, os nossos primeiros dubladores (sendo que ainda nem tinha esse termo na época) eram rádio-atores. Junto desses profissionais, vinham junto as crenças e posturas que deveriam estar presentes nos ditos profissionais da voz, e algumas, com certeza, você vai reconhecer agora e se lembrar de alguma dublagem antiga.
Por exemplo, quem não se lembra de todos os erres (R’s) e esses (S’s) super bem pronunciados ou aquele zelo imenso pela gramática normativa da língua, o que afetava, obviamente na questão da verossimilhança com a vida real. Um exemplo: que criança em português diria: “Passe-me a manteiga?” Nunca vi e nem meus pais já idosos viram, mas, antigamente, em certas dublagens, você encontra. É disso que estou falando. Os tidos como desvios da norma culta eram inaceitáveis, independentemente da idade ou até mesmo da classe social do personagem.
Esses ideais permearam as primeiras décadas da nossa dublagem e, mesmo quando o mercado começou a absorver novos profissionais, quem é que iria questionar o que os grandes mestres diziam? Se o aceitável e correto era falar o mais próximo possível da gramática e pronunciar todos os erres e esses, assim seria, afinal, já diz o ditado: “Manda quem pode e obedece quem tem juízo.” Ah, isso sem falar na censura que, sim, era bem mais acirrada antigamente. Quando você assistir novamente a alguma dublagem clássica, pode agradecer a censura pelos “Filho da mãe!”, “Maldição!” e até mesmo o “Mexa o seu traseiro gordo”. Não era culpa dos dubladores, dos diretores e nem dos tradutores, e sim do que o sistema exigia naquelas primeiras décadas.
O fato, meu querido leitor, é que antigamente se tinha uma ideia formada do que era a forma apropriada de dublar e também em relação ao que podia ou não ser dito. Como tudo à nossa volta e na história da humanidade, a dublagem cresceu e se desenvolveu no Brasil em um determinado espaço-tempo, sendo influenciada pela forma com que os profissionais da época pensavam. Com o passar dos anos e das mudanças geracionais e do sistema, muito do que vemos nos últimos bons anos na nossa dublagem brasileira é um grande esforço para, de fato, simular a oralidade da nossa gente, provocando aquilo que eu julgo ser o principal em qualquer boa dublagem: verossimilhança.
Para os parâmetros de hoje, em pleno 2019, não faz mais sentido dublar uma produção contemporânea com o português que se encontra nos romances de Machado de Assis. Agora obviamente que, se for uma produção que se passa décadas ou séculos atrás, a oralidade precisa sim se adequar à época, e o tradutor tem que ter uma boa noção e bons conhecimentos de sua língua-mãe para realizar um bom trabalho.
Por fim, a questão é que essa linguagem, o que hoje se chama “dublês”, é vista com uma certa graça, porque sabemos que muitas dessas falas icônicas e presentes ainda no imaginário de muitas pessoas não correspondem a realidade dos falantes no dia a dia. Só que hoje, depois de ler esse post, você já sabe o porquê desse fenômeno curioso.
Como sempre, espero que tenha gostado e não se esqueça de deixar o seu comentário. Um grande abraço e até o próximo post! 😉
Principal fonte consultada:
Versão Brasileira, de Nelson Machado
Juliana
10 de fevereiro de 2019Muito bom!
Paulo Noriega
11 de fevereiro de 2019Obrigado, Juliana. =)
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