Neste mês de agosto, o vigésimo entrevistado aqui no Traduzindo a Dublagem é pra lá de especial. A entrevista desse mês não poderia ter sido lançada em uma época mais propícia, e eu garanto que você vai aprender muito com o meu convidado. Vamos lá? 😉
No dia 8 de novembro do ano passado, tive a oportunidade de entrevistar Felipe Drummond, dublador e diretor de dublagem da MG Estúdios. Neto mais velho de Orlando Drummond, um dos grandes mestres da nossa dublagem, e já na dublagem há muito tempo, Felipe me recebeu na própria MG Estúdios para conversarmos sobre a sua carreira e o universo da dublagem como um todo. Vale lembrar que há uma entrevista com o avô dele aqui no blog, é só clicar nesse link!
Talvez você esteja se perguntando: “Paulo, por que você demorou tanto tempo pra lançar essa entrevista?!” E a resposta é simples: eu queria esperar um momento oportuno, e esse momento chegou. Sabe por quê? Nesta última sexta-feira, dia 17, estreou na Netflix a primeira temporada de (Des)encanto (Disenchantment), uma das animações mais fantásticas que eu tive o prazer de traduzir e que contou com a super direção de dublagem do Felipe. Pra comemorar mais uma parceria nossa de sucesso, deixo você agora com o nosso bate papo que foi muito informativo e que você, com certeza, vai se amarrar. Um grande abraço e até o próximo post! 😉
Paulo Noriega: “Felipe, obrigado por me receber. Eu gostaria que você se apresentasse pros leitores do Traduzindo a Dublagem e contasse um pouco sobre a sua carreira no universo da dublagem.”
Felipe Drummond: “Meu nome é Felipe Drummond, tenho 30 anos e trabalho com dublagem desde os 11 anos de idade. Em outubro, completei 19 anos de profissão, e isso me deixa muito orgulhoso. Sou neto de Orlando Drummond e meus irmãos mais novos, o Alexandre e o Eduardo, também são do ramo da dublagem, então posso dizer que sou de uma linhagem de dubladores (ri).”
Paulo Noriega: “Com certeza, é uma linhagem sensacional! E isso leva a próxima pergunta. Como você mesmo disse, você tem dois irmãos que também estão nesse universo, além de ser neto de Orlando Drummond, um dos grandes mestres da nossa dublagem. Por você ter sido o primeiro depois do seu avô a entrar nessa área, você sentiu algum peso por conta do sobrenome que você carrega? Isso te afetou de alguma forma no começo da sua carreira?”
Felipe Drummond: “Como eu comecei muito novo, eu não sentia esse peso. Eu fui me dando conta depois, conforme eu ia crescendo. Sempre vi o meu avô como o meu avô mesmo, sabe? Eu não o via com essa dimensão que as pessoas do ramo tinham dele como “Orlando Drummond, o mestre da dublagem”. Nunca senti isso como um peso, mas, obviamente, era uma responsabilidade e, acima de tudo, uma honra poder levar o sobrenome dele.
Já tive a oportunidade de dirigir o meu avô em algumas produções e isso não tem preço, é um grande privilégio. Assim como ele, já dirigi meus irmãos em outras oportunidades também, e isso me deixa muito feliz. É sempre um prazer e é muito gratificante.”
Paulo Noriega: “Muito legal saber disso, Felipe. Conta um pouquinho agora sobre seus personagens principais na dublagem, as produções que você já dirigiu…”
Felipe Drummond: “Ao longo dos meus anos de profissão, já fiz muita coisa legal. Por exemplo, fazia o Júnior, da série Eu, a patroa e as crianças, e o pessoal lembra e curte até hoje. Atualmente das séries da Netflix, faço o Bjorn, da série Vikings, o Foggy, da série Demolidor e o Wolfgang, em Sense 8. No cinema, adorei dublar o Lloyd, no filme Lego Ninjago… são muitos personagens, né? (ri) Não dá pra lembrar de tudo, mas já dublei muita, muita coisa.
Na direção de dublagem, eu atuo há uns quatro anos, aproximadamente, e dos trabalhos mais marcantes, posso citar muitas das séries da Marvel que estão na Netflix, como Luke Cage, a segunda temporada de Jessica Jones, e as séries Punho de Ferro e Defensores. Dirigi também o novo filme de Pokémon chamado Pokémon – o filme: Eu escolho você! que foi pros cinemas e que foi uma honra imensa ter dirigido. Também já dirigi vários games localizados aqui pro Brasil, como The Witcher: wild hunt e algumas expansões, jogos da série Assassin’s Creed e da série Far Cry. Já dirigi muita coisa bacana, apesar de estar relativamente no começo da carreira, mas como dublador já tenho muitos anos de profissão.”
Paulo Noriega: “Como a direção de dublagem aconteceu na sua vida? Era algo que você sempre quis ou foi acontecendo naturalmente?”
Felipe Drummond: “Eu me lembro que a primeira produção que eu dirigi foi uma série na Bravo Estúdios. Foi uma experiência legal porque eu sempre quis saber como era estar no lugar do diretor de dublagem. Acabou que eu dirigi a série, mas ainda fiquei só dublando durante um tempo até surgir a chance de dirigir games, alguns sendo os que eu citei no começo da entrevista. Eu sempre joguei muito, e eu queria entender como se dava esse processo, então foi incrível pra mim. Fiquei uns dois anos dirigindo games até começar a engrenar na direção de dublagem tradicional de séries, filmes, desenhos, etc…”
Paulo Noriega: “Isso é muito interessante porque você acabou meio que fazendo o caminho oposto, né? O mais comum é os diretores de dublagem começarem com a dublagem tradicional e depois se aventurarem no mundo da localização de games.”
Felipe Drummond: “Pois é, eu acabei mesmo trilhando o caminho oposto. Eu ainda dirigi games por um tempo até receber o convite pra dirigir aqui na MG Estúdios, onde o foco é mais a dublagem tradicional mesmo.”
Paulo Noriega: “E como funciona o seu processo como diretor de dublagem a partir do momento que você recebe o material até chegar nas gravações em estúdio?”
Felipe Drummond: “Recebo o vídeo da produção que vou dirigir, seja um filme, um documentário, um desenho, o que for, e o roteiro já traduzido por alguém da equipe de tradução daqui. Se o cliente for a Netflix ou a Amazon, por exemplo, já recebo a versão final traduzida e revisada e faço a marcação dos loops no roteiro traduzido pra poder ver quantos dubladores serão necessários, quantos loops cada um tem e tal. Isso tudo é feito antes de entrar em estúdio pra não ter erro quando as gravações começam.
Dentro do estúdio, eu gosto de ter a tradução do roteiro da produção no meu computador pra eu ir fazendo as alterações que são feitas no momento das gravações e encaminhar depois pro cliente. Outra coisa que é fundamental é dar o contexto pro dublador, né? Dizer quem é o personagem, contar um pouco da história, pois é fundamental o dublador ter ciência de quem ele vai interpretar pra sair um trabalho bacana. Dar essa dimensão e essa análise é crucial pro trabalho de ator, pra que o dublador possa fazer a sua arte da melhor forma.”
Paulo Noriega: “Ainda no campo da direção de dublagem, como você se sente sendo o atual diretor do anime Pokémon, um dos animes mais queridos aqui no Brasil?”
Felipe Drummond: “Olha, dirigir Pokémon é um presente. Quando eu cheguei aqui na MG Estúdios, comecei dirigindo algumas séries da Marvel até que me perguntaram se eu não queria assumir a direção de Pokémon. Pra mim, é uma honra e um prazer imenso porque eu assistia quando era mais novo e tinha todos os jogos de Gameboy que tinham lançado, e tal (ri).
Foi muito gostoso retomar esse contato, só que agora dirigindo uma produção da qual eu já era fã, né? Também me aproximei de pessoas que tinham uma relação mais íntima com o desenho pra poder ver as pronúncias dos nomes, saber o contexto das temporadas mais recentes pra poder fazer jus à qualidade do desenho. Uma coisa especial que eu faço na direção desse anime é registrar e gravar as pronúncias dos nomes dos Pokémon pra não ter erro na hora da dublagem.
Eu tenho TOC com essas coisas relativas à pronúncia, sabe? É chato você ouvir numa produção um mesmo nome sendo pronunciado de 3 formas diferentes, o ideal é tudo ser falado direitinho, então eu tomo muito cuidado com essa questão dirigindo Pokémon. Eu dirijo com todo o carinho do mundo porque eu sei que muita gente assiste. É um desenho muito querido, então tento sempre dar o meu melhor. A coroação de tudo foi ter dirigido o longa mais recentes pros cinemas, o Pokémon – o filme: Eu escolho você!”
Paulo Noriega: “Bacana! E Felipe, voltando à questão da localização de games, você disse que já dirigiu alguns jogos. Você gosta mais de dirigir no campo tradicional da dublagem ou no dos jogos localizados?”
Felipe Drummond: “Paulo, eu gosto de dirigir. O trabalho do diretor é muito intenso. Muitas vezes, o diretor não aparece tanto quanto os próprios dubladores, mas me sinto ótimo coordenando o processo e construindo com eles pro resultado na tela ficar bom. É muito recompensador você ir moldando uma produção e deixá-la com a sua cara, com uma identidade e isso ser construído com os dubladores, eu acho isso fantástico.”
Paulo Noriega: “E agora no que diz respeito às traduções. Ao longo da sua carreira, você já deve ter lidado com todo tipo de texto traduzido. Quais foram e ainda quais são os problemas mais comuns que você costuma ver na tradução pra dublagem?”
Felipe Drummond: “Por mais louco que possa parecer, o tradutor não pode traduzir sem ver o vídeo, é o maior tiro no pé de todos. Um tradutor jamais deve traduzir apenas pelo script, jamais. Eu mesmo já tentei traduzir uma vez e reconheço que, realmente, o trabalho do tradutor é árduo e tem uma série de questões envolvidas no processo de tradução.
O tradutor tem que realmente entender a história, o que ele está vendo pra, aí sim, traduzir bem e fazer um bom trabalho. Ele tem que conhecer bem o material com que ele está lidando, e a gente consegue reconhecer uma tradução diferenciada por conta de certos elementos: uma labial bem feita, uma fala que foi estimada pro tamanho da boca do personagem, um texto bem sinalizado… tudo isso conta a favor do tradutor.
Outra coisa importante também é a sinalização dos personagens. Não pode, por exemplo, um personagem se chamar “Jack” em quatro episódios de uma série e depois aparecer como “homem de bigode”. O tradutor precisa reconhecer que é o Jack e continuar mantendo aquele nome pra manter a coesão da dublagem.”
Paulo Noriega: “Perfeito. E Felipe, pra encerrar: como você bem sabe, a dublagem nunca teve uma cultura de revisão dos textos traduzidos. No entanto, principalmente com a Netflix e a Amazon Prime Video, dois dos principais clientes da atualidade do mercado de dublagem, isso mudou. Com a Netflix tendo um controle de qualidade que revisa os textos e a Amazon também realizando essa função de revisão com os supervisores das produções, o que você acha a respeito disso?
Você acredita que os problemas enfrentados em estúdio referentes ao texto traduzido têm diminuído e só trouxe benefícios ou não? Teve algum efeito colateral que afetou a direção e os dubladores?”
Felipe Drummond: “Olha, efeito colateral negativo, a meu ver, não. Eu acho que quanto mais gente envolvida em prol do trabalho é sempre melhor. Pela minha experiência, essa revisão prévia que acontece antes do estúdio tem sido muito boa e muito benéfica, eu sinto que tem trazido resultados muito bons pra qualidade da dublagem e facilitado sim a vida dos dubladores e diretores (ri).
Obviamente que ainda ocorrem mudanças em estúdio, né? Pra poder fazer uma bilabial melhor, por exemplo, ou conseguir acrescentar alguma coisa de modo que o trabalho fique melhor. As mudanças sempre vão ocorrer, mas eu acho que essa mudança dessa cultura de revisão dos textos mostra uma preocupação por parte da Netflix e da Amazon e mostra que existe um zelo pela dublagem.
Ah, e uma coisa também: o fato de ter os textos revisados não significa que haja uma amarra no nosso processo, a liberdade artística continua, é claro. Eu, por exemplo, sempre faço questão de tomar nota das mudanças feitas em estúdio e encaminhar pro cliente depois. Hoje em dia existe esse diálogo maior com o cliente, então a gente tenta fazer sempre o nosso melhor pra que o cliente se sinta satisfeito com as nossas dublagens. Pra mim, pelo menos, acho que a revisão chegou pra somar ao trabalho da dublagem e tenho tido boas experiências até o momento.”
Klaus Bentes
20 de agosto de 2018Ótima entrevista, Paulo! Bem legal saber desse cuidado especial por parte desses dois clientes na supervisão da dublagem. Uma entrevista com algum profissional do controle de qualidade seria muito interessante!
Abraços!
Paulo Noriega
29 de agosto de 2018Muito obrigado pelo apoio e pelos comentários de sempre, Klaus! =)
Comments are closed.