Para inaugurar o Setembro da Tradução aqui no Traduzindo a Dublagem em comemoração ao mês do tradutor, escolhi um tema que muitos sentem curiosidade para saber um pouco mais a respeito: os animes, os nossos queridos desenhos japoneses. Afinal, como o tradutor para dublagem lida com esse gênero tão específico? É sobre isso que irei conversar com você no post de hoje, além de citar, obviamente, a minha primeira experiência com esse gênero: a tradução do anime Gantz-O, que ainda está disponível no catálogo da Netflix.

Acho que para começar este assunto é importante dizer algo que pode chocar você, meu caro leitor, principalmente se você, assim como eu, cresceu assistindo a vários animes que são considerados clássicos aqui no Brasil como Os Cavaleiros do Zodíaco, Digimon, Sakura Card Captors, Dragon BallSailor Moon, Yu-gi-oh! e Death Note, por exemplo. A verdade é que essas animações tão amadas foram traduzidas de forma indireta para a nossa língua.

Você pode estar se perguntando: “Como assim, Paulo?” Bom, o idioma original dos animes é o japonês, correto? Contudo, nossas versões brasileiras se pautaram num idioma intermediário, logo numa dublagem intermediária, geralmente de língua inglesa ou espanhola, como nos exemplos que dei no parágrafo anterior. Pois é, se você acreditava que as nossas dublagens foram frutos de traduções diretas do japonês,  desculpe por destruir seus sonhos rs.

Ah, e obviamente, pelo fato de o original não existir mais nesses casos para o tradutor, a dublagem intermediária passa a ser o novo original para ele. Dessa forma, a qualidade da tradução da nossa dublagem fica, consequentemente, em função da qualidade da tradução do idioma intermediário. Assim sendo, quaisquer erros, equívocos ou acréscimos, por exemplo, que tenham sido cometidos na dublagem intermediária serão perpetuados na nossa.

Entretanto, como o material já chega dublado em uma língua mais acessível para os tradutores de dublagem daqui, como o inglês ou o espanhol, nossos profissionais não penam tanto, pois estão lidando com o seu par de idiomas padrão. Vamos ver um exemplo desse primeiro caso com o famoso anime Death Note?

 

 

Esse formato de se traduzir indiretamente era muito frequente no passado e, pelo que vejo, continua ocorrendo até hoje. No entanto, pela minha própria experiência, uma segunda forma de tradução para esse gênero tem sido mais adotada nos últimos anos e é a seguinte: o estúdio de dublagem recebe o vídeo original com o áudio em japonês e nós, tradutores, recebemos o script de legendas ou até de dublagem mesmo, só que traduzido do inglês ou do espanhol. Ou seja, diferentemente do caso citado nos parágrafos anteriores, o japonês faz parte da equação, pois está no vídeo e no áudio, sendo que todo o apoio linguístico para o entendimento das falas se encontra no script traduzido do idioma intermediário.

Desesperador? Com certeza. Impossível? Não, mas dá muito trabalho, pode acreditar. Quando traduzi a animação em CG, Gantz-O, foi seguindo esse segundo caso maluco. Sempre fui muito fã de animes, por isso topei pegar o projeto, mas já sabia do desafio que seria. Para minha sorte, tive um pouco mais de uma semana para traduzir o longa, então pude lapidar muito bem a minha tradução e me deleitar com a dublagem após meses esperando a estreia.

Bom, vamos à vaca fria: quais são os principais pepinos da tradução de animes nesse segundo caso? Primeiramente é o fato de o tradutor lidar com três línguas: o original em japonês (presente no vídeo), o idioma intermediário (presente no script de apoio) e o idioma para o qual ele deseja traduzir que, no nosso caso, é o português do Brasil. Segundo pepino: assistir a um vídeo que você não entende nada, pois os personagens estão falando em japonês (a menos que o tradutor seja fluente nesse idioma, o que é raro no Brasil). Por mais que a produção passe outras informações importantes como a intenção dos personagens, a trilha sonora, as feições, etc, a compreensão plena só é possível através do script intermediário.

Gantz-O: o primeiro anime a gente não esquece

Por fim, mas não menos importante, há a questão do sincronismo labial, ou seja, conseguir fazer japonês falar português. Não é uma tarefa fácil e exige muito até mesmo dos tradutores mais experientes. Para encerrar o post com chave de ouro, deixo mais algumas dicas pontuais  e práticas para o tradutor que venha a lidar com esse gênero em algum momento:

1) saber se o anime é a adaptação de seu respectivo mangá. Lembrando que os mangás são os quadrinhos japoneses, e muitos animes que fazem sucesso como os que citei nesse post são as adaptações audiovisuais de suas contrapartes em quadrinhos, por assim dizer.
Ao aceitar a tradução de um anime, o tradutor  precisa saber se a animação é derivada de algum mangá e se há uma tradução do mangá publicada no Brasil, para que os termos-chave se mantenham na dublagem, pois é algo já esperado pelos fãs principalmente. No entanto, o tradutor precisa saber também se está autorizado a, de fato, usar esse termos, e é sempre bom verificar e debater isso com o estúdio de dublagem.
2) Saber qual é a condição do projeto: trata-se do primeiro caso ou do segundo? Se for do segundo, já sabe o trabalhão que terá pela frente!
3) Atentar-se ao prazo! Caso seja sua primeira empreitada com o gênero, peça o maior prazo possível para que possa realizar um trabalho de qualidade e também para se conhecer e, assim, ver como se sai para poder aceitar futuras traduções do gênero que, apesar de trabalhoso, é tão querido em nosso país.

Um grande abraço e até o próximo post! 😉

Paulo Noriega

Sou autor do blog Traduzindo a Dublagem e tradutor atuante nas áreas de dublagem e editorial. Amo poder compartilhar meu conhecimento a respeito do universo da dublagem e da tradução para dublagem. Seja bem-vindo a este fascinante universo!

2 Comentários

THIAGO FARIAS DOS SANTOS ABREU

21 de setembro de 2018

Muito esclarecedor! Obrigado pela explicação!

    Paulo Noriega

    10 de novembro de 2018

    Que bom que gostou, Thiago! Fico feliz. =)

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