O entrevistado do mês aqui no Traduzindo a Dublagem é um veterano que dispensa apresentações. Grande dublador e diretor de dublagem, Mário Jorge Andrade comemora a sua chegada ao mundo neste mês de fevereiro, logo nada melhor do que ter reservado um momento especial para lançar a nossa conversa, não é verdade?
No dia 25 de outubro do ano passado, além de ter entrevistado as queridas Jaqueline Franklin e Sabrina Camargo da MG Estúdios, que já tiveram sua entrevista divulgada no final de 2017, pude bater um papo com Mário Jorge, um dos grandes veteranos da nossa dublagem e que, atualmente, é um dos principais diretores de dublagem da MG Estúdios, localizado no Rio de Janeiro.
Foi um grande prazer entrevistá-lo, pois, na época, ele estava dirigindo a dublagem do anime Kakegurui, que estreou no começo deste mês e que conta com a minha tradução. Caso queira dar uma conferida no resultado da nossa parceria em um dos mais novos animes liberados na Netflix, repleto de jogatina e personagens bizarros e insanos, Kakegurui é a sua pedida!
Agora sem mais delongas, fique com o nosso papo imperdível! Um grande abraço e até o próximo post! 😉
Paulo Noriega: “Mário, muito obrigado por me receber. Pra começar o nosso papo, eu queria que você se apresentasse para os leitores do Traduzindo a Dublagem e contasse um pouco sobre a sua carreira no mundo da dublagem.”
Mário Jorge: “Bom, o meu nome é Mário Jorge e eu comecei a dublar em 1977. O meu primeiro papel já foi de um protagonista, então eu comecei muito bem (ri). Eu venho da área cinematográfica, eu era ator de cinema e cheguei a dirigir alguns filmes. Só que quando conheci a dublagem e entrei, abandonei todo o resto. Desde então, só atuo na área de dublagem e estou nela há 41 anos.”
Paulo Noriega: “E conta pra gente alguns dos seus personagens mais marcantes nesse universo.”
Mário Jorge: “Eddie Murphy, John Travolta, o burro dos filmes do Shrek, o Mushu, do filme Mulan, o Titio Avô, da animação Titio Avô, que é um grande sucesso atualmente… deixa eu ver quem mais… ah, claro, o Mate da trilogia Carros, da Disney! O Martin Lawrence dos filmes da Vovó…zona também… nossa, é muita, muita coisa, se eu falar tudo a gente não sai daqui (ri).”
Paulo Noriega: “Muita história, né, Mário? (ri) Agora conta pra gente como e quando você passou a atuar na parte da direção de dublagem. Era algo que você sempre quis desde que ingressou na dublagem ou foi algo que veio com o tempo.”
Mário Jorge: “Olha, foi sorte. Talento, mas teve o fator da sorte também. Eu já tinha 10 anos de dublagem e, na época em que eu comecei a dirigir, os diretores eram muito antigos, só dirigia quem tinha, pelo menos, uns 30 anos de dublagem.
Mas aí, o que foi que aconteceu? Um dia eu cheguei na Herbert Richers e aí o seu Herbert me chamou no pátio que tinha lá e falou assim: “Mário, eu estou indo para os Estados Unidos e vou te dar um filme para dirigir.” Aí ficou um silêncio naquele pátio porque eu tinha 10 anos de dublagem e 37 anos de idade e estava me tornando diretor. Ele me disse que quando voltasse veria o filme que eu dirigi, e assim foi.
Quando ele voltou, ele gostou muito e passou a me dar vários filmes importantes que chegavam na Herbert pra que eu pudesse dirigir. Foi sorte minha, mas eu sempre digo que a sorte está ligada ao talento. Não existe talento sem sorte e nem sorte sem talento, esses dois fatores estão sempre ligados.”
Paulo Noriega: “Mário, na sua opinião, o que faz um diretor de dublagem ser um diretor diferenciado no mercado, especialmente nos dias de hoje em que temos tantos estúdios de dublagem estabelecidos no país quanto novos estúdios surgindo?”
Mário Jorge: “Eu acredito que você precisa de várias coisas para ser um bom diretor. Primeiro: você tem que saber alguma língua estrangeira, pelo menos o inglês. Além disso, o diretor tem que ser um profundo conhecedor de conhecimentos gerais, então é preciso saber de tudo um pouco. As coisas surgem na tela e a gente tem que responder, né? Quando um dublador te pergunta alguma coisa, você tem que saber o significa.
Obviamente, precisa saber português muito bem e tem que ser principalmente um grande ator. Quando você é um grande ator, você passa para os outros atores a sua segurança. Os dubladores precisam sentir essa firmeza no diretor, a segurança de que ele vai saber dar as inflexões certas pra eles na hora de dublar, e isso só acontece quando o diretor é um bom ator. Ser diretor de dublagem é um conjunto de vários elementos. Infelizmente, hoje em dia isso está se perdendo porque quase qualquer um dirige, não é mais como antigamente. É difícil, né? Mas é o que tem acontecido no mercado.”
Paulo Noriega: “Mário, ao longo da sua carreira, você sentiu que há certos tipos de produção mais difíceis e que exigem um cuidado maior por parte do diretor de dublagem? Ou não, cada projeto oferece seus desafios particulares?”
Mário Jorge: “É preciso ter cuidado com tudo, tudo que sair bem feito, né? Mas sim, há produções mais fáceis e mais difíceis, produções mais tranquilas e outras nem tanto. Por exemplo, eu considero os animes complicados porque você precisa criar frases, já que, em geral, as falas em português não cabem. Elas ficam muito longas ou muito curtas, então é um tipo de produção difícil. Além deles, as comédias também são muito difíceis por causa do pique e, obviamente, por causa das piadas. Se você perder as piadas, você estragou o filme, né?
Pegando por exemplo, as comédias com o Eddie Murphy que eu dublo, eu as considero difíceis. Agora os desenhos, eu acho mais um tipo de produção mais fácil, até porque eu adoro dublar desenhos. Em relação à novelas, por exemplo, eu só dirigi uma novela mexicana pro SBT, então não posso dizer que sou grande especialista pra falar delas. É um pique mais acelerado, tem que dublar sei lá quantos capítulos por semana, então não posso falar muito sobre elas especificamente.”
Paulo Noriega: “Como costuma ser o seu diálogo com os tradutores do ramo? Como tem sido essa troca ao longo da sua carreira e o que um diretor espera de um bom tradutor para dublagem?”
Mário Jorge: “Olha, eu raramente pego tradutores ruins para trabalhar comigo. Em geral, eu lido com bons profissionais, ainda mais aqui na MG Estúdios, que o pessoal sabe que eu cobro bastante do tradutor (ri). Agora quanto a figura do tradutor, eu acho que ele está no mesmo nível da direção. Ele tem que estar sempre ligado e tem que ter um conhecimento geral muito grande ou, pelo menos, saber como e onde pesquisar as coisas. Ele precisa se mostrar interessado para ir atrás daquilo que ele desconhece.
Indo pro campo dos idiomas, ele precisa saber muito, mas muito bem português. Não adianta saber inglês pra caramba e não saber a sua língua. Além do conhecimento linguístico, a noção de métrica de fala na dublagem é muito importante, a estimativa das falas, né? Se a fala está muito grande ou muito curta, é importante que ele se atente a isso. Se ele tiver tudo isso que eu disse, ele será um excelente profissional.”
Paulo Noriega: “Perfeito, Mário. Pra gente encerrar, existe algo no universo da dublagem que você ainda não tenha feito e que você gostaria de fazer?”
Mário Jorge: “Só filme pornô. (ri) A única coisa que eu não fiz foi filme pornô, que deve ser bem fácil de dublar inclusive (ri)! Porque olha, de resto, eu já fiz tudo. Eu já dublei comédias, filmes de guerra, filmes sérios, filmes horríveis, filmes bons, filmes maravilhosos, desenhos terríveis, desenhos maravilhosos, de tudo mesmo.
Óbvio que nesse ramo sempre pode ter alguma coisa nova, mas uma grande novidade, digamos assim, já faz um tempo que eu não pego, mas isso porque eu já estou na área da dublagem há 40 anos, indo pra 41. São muitos e muitos anos nesse ofício, né? Eu acho que o caso mais recente de algo novo pra mim foi dublar o Titio Avô, da animação Titio Avô, porque não era muito o meu perfil de dublagem de desenho, sabe? Eu inventei uma voz pra ele, uma voz diferente da voz original dele, e o desenho tem uma pegada bem diferente pra mim.”
Paulo Noriega: “Maravilha, Mário. Muito obrigado mesmo pelo nosso papo.”
Laís
4 de março de 2018Uma das minhas vozes favoritas. Arrasou.
Paulo Noriega
9 de março de 2018Ele é muito talentoso, né, Laís? =) Foi um prazer entrevistá-lo e poder trabalhar com ele.
André Bighinzoli
1 de outubro de 2018Muito fã desse cara! 🙂 Excelente entrevista. Grande abraço!
Paulo Noriega
10 de novembro de 2018Que bom que gostou, André!! =)
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