Eu me lembro de que fiquei de escrever um post dedicado a tradução de comédias e aqui no Traduzindo a Dublagem, promessa é dívida! Antes de qualquer coisa, não me considero um especialista nesse gênero, até porque traduzi só um filme de comédia até hoje e uma animação hilária que não vai tardar a estrear ainda esse mês (desculpe, não posso revelar ainda qual é!).
Contudo, sempre assisti à muitas comédias dubladas e, somando a minha breve experiência, acredito ser capaz de abordar algumas questões sobre esse gênero tão peculiar e porque ele costuma apresentar boas complicações para o tradutor da área de dublagem. Pronto? Vamos lá! 😉
Muito provavelmente, entre os mais diversos gêneros como romance, drama ou terror, a comédia seja o que costuma sofrer mais alterações no momento da tradução e da própria dublagem em si. Caso o telespectador queira realizar um cotejo entre o original e a versão dublada, muitas mudanças serão encontradas. Acredite, eu já fiz esse teste. Contudo, todavia, entretanto, há alguns bons motivos para isso e vamos descobrir quais são.
Não sei se você, leitor, concorda comigo, mas a comédia é um gênero que se caracteriza muito mais pelo efeito que deve causar no telespectador do que pela fidelidade do conteúdo original. “Como assim, Paulo”? Ora, porque você assiste a uma comédia? Pra rir, não é verdade? Você quer sair leve e alegre depois de ver uma comédia, e isso se por conta das suas risadas ao longo do tempo de duração da produção, seja um filme, um desenho, uma série ou o que for.
Entretanto, tratando-se de risadas, entra na equação uma questão cultural importantíssima: os países têm noções muito particulares e próprias de humor. Muitos não gostam do humor londrino, enquanto outros acham o humor americano meio bobo, o famoso “pastelão” como chamamos por aqui. Como sabemos, várias produções audiovisuais estrangeiras são consumidas em nosso país e como fazer para que tenham graça para os telespectadores brasileiros, já que esse é justamente o objetivo das comédias? O que pode ajudar o tradutor para dublagem a traduzir esse gênero da melhor forma, já tendo essa meta clara em mente?
Acredito que a primeira coisa é entender a natureza do humor da produção estrangeira e, principalmente, ter uma compreensão muito maior do nosso humor brasileiro. Uma forma muito útil de realizar essa pesquisa de campo é assistir a comédias nacionais, e não faltam bons exemplos como Minha mãe é uma peça, Minha mãe é uma peça 2, Os normais – o filme, De pernas pro ar, Até que a sorte nos separe, Se eu fosse você e Se eu fosse você 2. Pessoalmente, considero essas produções muito boas, pois captam bem o nosso espírito de fazer comédia. Ao assisti-las, observe a natureza das piadas para poder servir de inspiração no momento da sua tradução.
Outro grande aspecto muito utilizado nas nossas dublagens de comédias é a boa e velha… zoeira! Não tem jeito, o brasileiro é sim da zoeira. As piadas, os memes e até mesmo a linguagem da internet dão as caras aqui e ali nas nossas dublagens. Se você já viu alguma comédia dublada (seja um filme, uma animação ou uma série), deve ter reparado que o registro dos personagens costuma ser bem informal e com várias expressões e gírias daqui do nosso país.
Pessoalmente, creio que, para o tradutor, é preciso libertar o seu lado zoeiro, e é algo que leva tempo, pois há alguns que já têm esse lado mais aguçado e outros nem tanto. Contudo, não é nada que não possa ser lapidado, por isso se cercar de boas referências e de boas dublagens é sempre bom pra captar melhor esse espírito brincalhão que é tão nosso.
Duas animações que costumam ser sempre lembradas e que foram extremamente bem recebidas pelo nosso público foram Yu-Yu-Hakusho (a dublagem clássica da manchete) e A Nova Onda do Imperador, dos estúdios Disney. Ambas têm zoeira da melhor qualidade, então trate de assistir como dever de casa. Deixei abaixo alguns trechinhos pra você entender melhor do que estou falando. Confira! 😉
Como você pode ter reparado por conta dos trechos acima, a comédia na nossa dublagem se caracteriza por realizar diversas adaptações, com o intuito de manter a graça presente no original, mesmo que isso implique em mudar o que foi dito. Identificar os momentos-chave é imprescindível para realizar uma boa tradução, já que o timing da comédia, na medida do possível, não pode ser perdido. Há piadas que são mais escrachadas, mas há outras que são mais sutis, então o tradutor precisa se ligar pra não dormir no ponto quando alguma gracinha for feita.
Obviamente, identificar os momentos engraçados é a primeira etapa, mas sabemos que isso não basta. Quantas comédias você já deve ter assistido e parece que não houve uma compreensão do que, de fato, o original quis passar? É aquele momento em que a graça se perde na dublagem, e não queremos isso. Antes de se precipitar em pensar na solução tradutória, entenda o que faz aquela piada, aquele momento ser engraçado no original. Qual é o efeito causado? Faça isso para só depois pensar na resolução do impasse. Pergunte-se: é possível manter esse efeito? É possível manter a natureza da piada? Devo adaptar, então? Mas como vou adaptar? A tradução literal não é uma opção?
Como você já deve ter percebido até aqui, é raro as traduções literais fazerem sentido nas comédias, porque aí acontece justamente o que não queremos: o telespectador não ri, logo ele não se diverte. Portanto, as estratégias de adaptação precisam ser utilizadas, sempre focando no efeito final: o riso. Garanto que se você assistir às produções que recomendei aqui do post, você vai montar um arsenal bem bacana.
Por fim, acredito ser importante salientar uma coisa importantíssima: mesmo quando se fala em adaptação, não se pode usar a primeira solução que vem à mente, pois existem outros fatores que precisam ser levados em conta quando falamos em tradução para dublagem. É preciso examinar a situação em que os personagens se encontram, o contexto e, como sempre, nunca se esquecer da imagem, que está sempre presente quando falamos da área audiovisual.
Mas por que me refiro a imagem? Pois tal como em outras produções, há vezes que sim, a imagem pode prejudicar uma boa adaptação. Digamos que você quisesse trocar uma celebridade estrangeira não muito conhecida por aqui por uma celebridade nacional. É válido? Sim, mas é preciso ver se o contexto da obra e, principalmente, a imagem permite isso. E se tiver um retrato dessa celebridade estrangeira aparecendo? Já foi pro buraco a tentativa de adaptação, não é verdade? Então sim, antes de tomar qualquer decisão, uma série de fatores precisam ser analisados para que, mesmo sua solução sendo boa, não cause algum outro tipo de estranheza no telespectador.
Espero que tenha gostado do post de hoje e não se esqueça de deixar o seu comentário! Um grande abraço e até o próximo post! 😉
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