Certa vez, uma professora da minha época de graduação da PUC-Rio disse categoricamente: “Se você não gosta de pesquisar, não serve para ser um tradutor. É melhor escolher outra profissão.” Ela não poderia estar mais certa, pois a pesquisa é um dos principais pilares do ofício tradutório, independentemente da área de atuação.
No caso do tradutor do ramo audiovisual, seja o atuante na área de dublagem, legendagem, voiceover ou audiodescrição, espera-se que ele saiba um pouquinho de tudo, pois nunca se sabe qual será o conteúdo abordado no projeto seguinte. Obviamente, há produções que lidam com conteúdos mais genéricos, mas há muitas outras que se caracterizam por girar ao redor de um tema central e que lida com uma terminologia específica.
Nesses casos, nossa responsabilidade aumenta muito, pois muitas vezes, nosso texto vai direto para as mãos do diretor de dublagem, e é bastante provável que ele também não seja um especialista no assunto. Sendo assim, se a pesquisa não for bem feita, vários termos errados irão passar no momento das gravações.
Ao longo da minha carreira, já lidei com produções que abordavam conteúdos com os quais eu não tinha a menor familiaridade como direito, medicina, tênis e moda. O que fazer quando o tradutor se depara com casos assim? Nega o trabalho ou se arrisca? Cada caso é um caso, e costumo dizer que há duas fases de pesquisa: a fase anterior a aceitar um projeto e a que ocorre ao longo da tradução. Vou tentar esmiuçar um pouco essas duas etapas e, com base na minha experiência, dar algumas dicas de como eu lido com esses momentos distintos.
O antes
Assim que sou acionado para traduzir uma nova produção, a primeira coisa que pergunto é o título e a duração dela, para já fazer uma leve estimativa do tempo necessário para traduzi-la satisfatoriamente. Geralmente, essas duas primeiras informações já são passadas, seja por e-mail ou por telefone. No entanto, antes de dar uma resposta definitiva, faço o seguinte:
De posse do título, vou na famosa Wikipedia e no IMDB para ter uma noção geral do enredo. Só com isso, já dá para ter uma ligeira ideia do conteúdo que será abordado e do nível de especificidade dele. Caso ainda não esteja confiante, vou ao Youtube para ver trechos ou trailers da produção, pois consigo ver mais claramente o tipo de vocabulário com que irei me deparar ao longo do produto. Faço isso, no máximo, em dez minutos antes de responder ao cliente se tenho condições de aceitar ou não.
Esse momento inicial de análise é crucial, pois nele, preciso responder as seguintes perguntas: essa produção aborda um tema mais genérico ou mais específico? Caso seja algo muito específico, é uma temática com a qual estou familiarizado ou não? Tenho fontes e recursos de pesquisa confiáveis para poder pesquisar aquilo que desconheço? E por fim, será que o prazo é suficiente para fazer uma pesquisa de qualidade?
Em caso de resposta positiva, com o valor do minuto acertado e com o prazo nas costas, passamos para a fase da tradução propriamente dita, e com ela, para a próxima fase de pesquisa: a que ocorre durante o processo.
O durante
Esta etapa, como já é de se esperar, é mil vezes mais complicada do que a anterior. Para poder realizar uma boa pesquisa, além do conhecimento prévio que cada um de nós possui, temos três principais fontes de pesquisa: as fontes em papel, as fontes virtuais e as humanas.
Fontes em papel
A maior parte das fontes em papel são os nossos queridos dicionários. Há de vários tipos, desde os monolíngues até os que abordam temas específicos como os da área médica e da área de direito. Hoje em dia, compro apenas os que são altamente recomendados, pois é fato que há muitos dicionários ruins circulando por aí (e muitos não são nem um pouco baratos, então é preciso escolher sabiamente!).
Para exemplificar, um dos meus preferidos é o Dicionário de Economia, Direito e Contabilidade de Marcílio Moreira de Castro, pois ele aborda três assuntos de forma bastante completa. Além disso, ele não é só ingl-port como também é port-ingl. Simplesmente me salvou na época em que eu traduzia a série Law and Order!
Caso o tradutor comece a receber regularmente produções com uma temática recorrente, acredito que valha a pena começar a pedir recomendações bibliográficas aos colegas e amigos atuantes na área em questão para ampliar sua biblioteca.
Fontes virtuais
Com o sr. google, o conhecimento está a um clique de distância e isso não é mais novidade pra ninguém. No entanto, o que tem de coisa errada nele não está no gibi. Em tempos de internet, pesquisar em fontes confiáveis nunca foi tão importante. Há inúmeros sites e glossários pela web afora, mas é necessário separar o joio do trigo, ou seja, saber diferenciar os bons dos ruins. Por exemplo, sites oficiais de organizações, como o da ANAC, tendem a ser confiáveis. Caso esteja traduzindo algo que envolva aviões, com certeza, vale a pena dar uma olhada. Além disso, também existem técnicas de pesquisa que contribuem bastante para filtrar o que desejamos saber.
Fontes humanas
Por último, mas não menos importante, temos as fontes humanas, que nada mais são do que as pessoas ou conhecidos que dominam o assunto tratado na produção que estamos traduzindo.
Na época em que eu estava ajudando a traduzir as temporadas finais de Law and Order (Lei e Ordem), minha amiga Marcela, que inclusive era uma das tradutoras junto comigo, é advogada e me ajudou muito ao longo dos episódios. Lembro que, às vezes, ficávamos até duas horas no telefone, em busca da melhor solução. Sorte a nossa que o prazo era sempre muito bom, então tínhamos tempo para isso!
Outro caso que posso citar foi quando traduzi um longa em que o tema central era o jogo de tênis, e eu não entendo nadica de nada desse esporte! Por sorte, um grande amigo meu ama tênis, então eu ficava me consultando com ele boa parte do tempo. Graças ao profundo conhecimento que ele tinha, junto com outras fontes confiáveis que eu havia achado, consegui chegar nas soluções ideais para a tradução da terminologia presente no filme.
Por fim, após realizar todo esse processo de pesquisa, revisar a tradução e enviá-la para o estúdio, bate aquela sensação indescritível de dever cumprido! Pesquisar não é fácil e realmente demanda muito tempo e muita disposição, mas ao longo do processo, aprendemos muitas coisas novas.
Uma dica extra é criar glossários temáticos, pois nunca se sabe quando uma produção com uma temática semelhante vai pintar novamente. É uma baita mão na roda, pode acreditar. 😉 Espero que tenha gostado dessas dicas e lembre-se: se o desconfiômetro apitar, pesquise, pesquise e pesquise! Até o próximo post!
gugahalmeida
22 de julho de 2016Como sempre, você entrega um conteúdo muito bom de forma simples e esclarecedora. Sou fã. Forte abraço.
pfcnoriega
23 de julho de 2016Valeu, meu querido. Continue firme e forte aqui porque é só o começo. 😉 Grande abraço e nos vemos aí no mercado!!
Ligia Ribeiro
22 de julho de 2016Ótimo artigo, como sempre. A pesquisa é importantíssima e muitos não sabem que ela também deve ser feita na tradução audiovisual, neste caso, para dublagem. Tenho certeza de que muitos que leram o artigo já assistiram a filmes, seriados ou outros vídeos onde um personagem fala alguma palavra, normalmente uma terminologia, que não condiz com o que você está vendo. Ou até mesmo expressões obsoletas, que não não usadas atualmente em uma linguagem informal. A preguiça em gastar um pouco mais de tempo em uma pesquisa pode resultar em um trabalho ruim.
pfcnoriega
23 de julho de 2016Exatamente, Ligia. Pesquisar é crucial, então se aceitar algo que não domine, lembre-se: pesquise, pesquise, pesquise. 😉 Beijo e obrigado pelo prestígio de sempre!
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