Uma das perguntas que me fazem com frequência é sobre um fenômeno que sempre existiu no mundo da dublagem, mas que, dependendo do caso, passa despercebido pelo grande público: as redublagens. Diante disso, achei que seria interessante falar um pouco mais sobre esse assunto e que, embora controverso, a meu ver, está ficando cada vez mais frequente. Entretanto, vamos começar pela pergunta básica: o que é uma redublagem?
Redublagem, como o próprio nome sugere, é pegar qualquer produção audiovisual e dublá-la novamente. Em suma, é dar uma nova dublagem para um produto que já tenha uma dublagem anterior. Entendendo isso, passamos para a segunda pergunta: mas por que se redubla? Por que a redublagem existe?
Há diversos motivos para isso acontecer, mas antes de nos aprofundarmos no assunto, é preciso fazer uma distinção. Existem dois casos de redublagem: aquela que substitui definitivamente uma versão anterior e passa a ser a nova versão, digamos, “oficial”, e redublagens que coexistem, como por exemplo, os 5 filmes da saga Crepúsculo (Twilight), para os quais existe tanto uma dublagem carioca, quanto uma dublagem paulista.
Para ilustrar, peguemos os dois primeiros filmes: Crepúsculo (Twilight) e Lua Nova (New Moon). A versão dublada inicial foi a exibida nos cinemas e realizada no estúdio Álamo em São Paulo, mas quando esses longas foram exibidos na Rede Globo, receberam uma dublagem carioca realizado no estúdio Delart Rio. Pessoalmente, sinto que esse segundo caso está cada vez mais frequente.
Associado ao que disse anteriormente, outro fator que precisamos ter em mente nesse primeiro momento é em relação as mais diversas mídias como cinema, DVD, Blu-ray, televisão, Netflix e até mesmo avião (sim, há dublagens encomendadas para serem exibidas em aviões)! É importante entender que essas mídias são independentes, logo, para cada uma, é passível de se ter uma dublagem diferente para uma mesma produção.
Em relação ao primeiro caso de redublagem em que uma nova dublagem se torna a oficial, temos um clássico na história da dublagem brasileira com o longa Branca de Neve e os sete anões (Snow White and the Seven Dwarfs). Em casos como esse, muitos não sabem que, na verdade já se trata de uma nova dublagem, então chegamos a um dos primeiros motivos para se redublar: quando se perde a dublagem original. A primeira versão foi lançada aqui no Brasil em 1938, um ano após a estreia do longa nos Estados Unidos.
Infelizmente, essa versão está extinta, tanto que pouco se sabe sobre ela, além de que a famosa cantora da MPB, Dalva de Oliveira, deu voz a famosa princesa. No entanto, na década de 60, mais precisamente em 1965, encomendou-se uma nova dublagem, que é a conhecida por todos e a que ainda está presente no DVD e no Blu-ray lançados em 2009.
Continuando, esse vasto assunto vai muito além, pois ainda há dublagens de filmes que não são tão antigas e que, mesmo assim, já receberam redublagens. A partir daqui, entramos em um campo mais complexo, pois quais fatores justificam uma nova dublagem nesse caso? Para tentar ser um pouco mais didático, listei abaixo quatro dos motivos mais recorrentes.
1 – Redublar é mais barato do que remasterizar
Citando novamente o exemplo do longa Branca de Neve e os sete anões mencionado acima, se pararmos para pensar, a dublagem desse clássico Disney já tem mais de 40 anos de existência. Entretanto, como permanece até hoje nas novas mídias como DVD e Blu-ray, sendo que o áudio original era da época das antigas fitas cassete? O fato é que transpor essas dublagens para as novas mídias é um processo incrivelmente caro, pois tanto o áudio quanto a imagem precisam ser remasterizados.
Pelo que observo, apenas empresas e distribuidoras mais sérias respeitam as boas dublagens brasileiras que já estão consagradas e se esforçam para mantê-las. Infelizmente, muitos clientes olham apenas para a questão do custo, optando assim pela redublagem, já que dublar um mesmo longa novamente custa bem menos do que bancar todo o processo de remasterização.
2 – A dublagem já existente é considerada “ruim”
Quando uma dublagem existente é considerada de má qualidade, como por exemplo, as que são feitas no exterior e vêm para o Brasil, pode-se encomendar uma nova versão. De modo geral, essas dublagens realizadas em território estrangeiro não são feitas com atores profissionais, o que obviamente prejudica muito a qualidade final.
Quando um canal vai exibir uma produção e oferece a opção de vê-la dublada, ele verifica se já existe alguma dublagem existente e se deseja comprar os direitos para exibi-la. Caso a julgue inadequada por alguma razão, como a presença de algum problema de cunho técnico ou o não cumprimento dos requisitos de qualidade esperados, o canal pode encomendar uma nova versão. O canal da Rede Globo é um exemplo típico disso, pois há vários longas que, ao serem exibidos, apresentam uma nova dublagem, mesmo já existindo uma anterior.
3 – Por razões linguísticas, a dublagem original “caducou”
Como sabemos, a língua é viva e vai mudando com o passar dos anos e das décadas, e a oralidade é a primeira a sentir esse fenômeno. Com isso, quero dizer que há palavras, expressões e gírias que caem com o tempo e uma dublagem clássica, que já foi considerada natural e contemporânea de sua época, pode não ser mais nos dias de hoje. Citar casos em que uma nova dublagem foi encomendada por esse motivo é complicado, mas há exemplos em que podemos arriscar um palpite como no caso da animação A Dama e o Vagabundo (The Lady and the Tramp) dos estúdios Disney.
Lembro-me que, na dublagem clássica a qual assisti quando criança, o personagem Vagabundo chamava a personagem Dama de “broto”, uma palavra que já está bem datada hoje em dia. Na redublagem, em vez de “broto”, o personagem fala “princesa”, que é mais atual. Não nego que, ao ouvir essa mesma palavra traduzida de uma forma mais contemporânea, me causou um certo estranhamento inicial, mas pensando de forma racional, a mudança fez total sentido.
4 – Erros na tradução
A presença de erros graves nas traduções de certas produções audiovisuais também é algo que pode levar a casos de redublagem. Um caso muito interessante aconteceu com minha grande amiga e colega tradutora, Dilma Machado. Ela teve que traduzir novamente um longa chamado Courage Under Fire, porque na dublagem original feita no estúdio Herbert Richers, os personagens chamavam uma personagem de “capitã”, sendo que na realidade brasileira das forças armadas, não existe variação nos cargos da hierarquia militar. Sendo assim, “captain” deve ser traduzido como “capitão”, independentemente de ser alguém do sexo feminino ou masculino.
O caso Star Wars (vulgo Guerra nas Estrelas)
Um exemplo muito curioso nesse fenômeno de redublagens é o da franquia Star Wars, antigamente conhecida como Guerra nas Estrelas. Sabia que a trilogia clássica tem três dublagens diferentes e a nova já conta com duas? Vamos começar pela trilogia clássica, composta pelos episódios IV, V e VI: a versão mais conhecida atualmente é a redublagem feita no estúdio Delart-Rio.
Entretanto, muitos desconhecem que, na década de 70 e 80, a trilogia clássica, e que ficou conhecida na época como Guerra nas Estrelas, recebeu a sua primeira dublagem no clássico estúdio carioca Herbert Richers. Já a terceira versão está presente no mais recente relançamento da hexalogia de George Lucas em DVD e Blu-ray, por conta da estreia do sétimo longa da franquia, Star Wars VI: o despertar da força (Star Wars: The Force Awakens), que estreou no ano passado. Uma das principais características dessa terceira dublagem é que todos os seis episódios contaram com o mesmo tradutor (Guilherme Briggs) e o mesmo diretor de dublagem (Sérgio Cantú).
Já a trilogia nova composta pelos episódios I, II e III teve suas primeiras dublagens, obviamente, na respectiva época das estreias dos longas no cinema, e essa primeira versão é a mais difundida em boa parte das mídias existentes. Quanto a segunda dublagem, presente também no relançamento do DVD e Blu-ray da hexalogia citado anteriormente, conta com a tradução e direção de Briggs e Cantú, respectivamente.
Por fim, talvez você esteja se perguntando: do que adianta esse assunto para os tradutores do ramo? A meu ver, duas principais preocupações se fazem necessárias: a primeira diz respeito a manutenção ou não de termos consagrados na dublagem anterior, e isso é algo que precisa ser discutido com o cliente, principalmente se for o caso de uma produção audiovisual muito famosa. Já a segunda, tal como mencionei em um post anterior sobre títulos, é importante para o tradutor saber se o produto que irá traduzir se trata de uma redublagem, pois já existe um título para aquela produção, e cabe ao cliente decidir mantê-lo ou não.
Eu mesmo já traduzi filmes que já contavam com dublagens existentes e, para ambas as produções, já existiam dublagens paulistas, mas mesmo assim, foram encomendadas novas dublagens. Para o longa A volta dos bravos (Home of the Brave), a nova dublagem foi exibida no canal Viva, e para o longa O caçador de dragões (Dawn of the Dragon Slayer), a nova versão foi exibida no Telecine! Espero que tenha gostado de saber um pouco mais sobre esse tema que é tido como um dos mais controversos no mundo da dublagem. Deixe seu comentário e até o próximo post! 😉
Guga Almeida
1 de março de 2017Quando o assunto é saudosismo, de fato, essas redublagens são decepcionantes. Mas na maior parte dos casos, conseguem melhorar ou manter o nível apresentado anteriormente, salvo exceções, quando o cliente encomenda essa nova dublagem para baratear o custo de sua produção e coloca pessoas pouco qualificadas para executá-las.
Realmente, um dos assuntos mais controversos e que mais necessita de “justificações”, principalmente aos fãs mais leais que endeusam as dublagens clássicas ou ao “original”.
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