O guest post deste mês aqui no Traduzindo a Dublagem veio para mostrar que distância não é impedimento para a tradução, e ninguém melhor para falar sobre isso do que um tradutor, né? Quer saber mais sobre o que o meu convidado tem a dizer sobre ser de outro estado e conseguir trabalhar tranquilamente para os estúdios de dublagem, sendo que a maioria fica no eixo Rio-São Paulo? Vamos lá!
Meu convidado da vez é o tradutor Luiz Souza. Ele tem 25 anos, mas já tem contato com a tradução desde os 14, e trabalha com tradução para dublagem desde o início de 2017. Até o momento, alguns de seus trabalhos de mais destaque são o desenho Toonmarty e episódios de séries como Trato Feito, De Quem É Esse Casamento?, Caminhoneiros do Gelo e Life Of Kylie. Além disso, trabalha como professor de inglês desde 2011.
Deixo você agora com esse guest post tão especial. Aproveite a leitura, não se esqueça de comentar! Um grande abraço e até o próximo post! 😉
“Sempre gostei muito de inglês. Lembro que eu tinha uns cinco ou seis anos e ouvia músicas de língua inglesa em festas e cantava enrolando a língua, numa tentativa de “embromation”. Vendo esse meu interesse, minha família me deu um livro didático de inglês que pertencia ao meu primo. Era um livro bem simples, porém, todo em inglês. Claro, eu não entendia nada do que estava escrito, mas, aos poucos, as coisas começaram a fazer sentido, principalmente depois de eu comprar um dicionário. Sim, a gente precisava comprar livros físicos para aprender. Afinal, a vida não era fácil nos anos 90.
Em 2005, ganhei meu primeiro PC. Depois de um ano sofrendo com aquela Internet discada e lenta, finalmente contratamos uma conexão de incríveis 400kbps! “Nossa, vou poder baixar filmes a 40 KB/s! Só vai levar umas cinco horas por filme!”, pensei na época. A maioria das pessoas baixaria filmes apenas para assistir. Já eu queria baixar filmes para traduzir. E assim começou minha história na tradução.
O primeiro filme que traduzi inteiro, no auge dos meus 13 anos, foi Vizinhança do Barulho (Don’t Be a Menace to South Central While Drinking Your Juice in the Hood), um filme de 1996, escrito pelos Irmãos Wayans. Demorei mais ou menos uma semana para terminar a legenda e fiz completamente de ouvido (por pura ignorância, não sabia que era possível baixar legendas em inglês da Internet). Após terminar a tradução, procurei um site para enviá-la, de modo que outras pessoas pudessem baixar, e o site que eu encontrei foi o Legendas.TV. Inclusive, minha legenda ainda existe lá, é só procurar o filme!
Dentro desse site, fiz algumas amizades, participei de grupos de tradução e também fiz legendas amadoras para alguns blockbusters. Um deles foi Shrek 3. Como só existia uma cópia CAM (daquelas gravadas em sala de cinema) do filme disponível para download, abri um tópico no fórum da plataforma e perguntei se alguém poderia me ajudar na revisão, já que o meu inglês de ouvido, naquela época, era um pouco precário.
Quem atendeu ao meu pedido foi o já falecido tradutor José Moreira da Silva, também conhecido como Joe da Silva, que assinava com o nick JMSilva. Ele era considerado o melhor tradutor do site, mas eu não sabia o porquê. Afinal, eu achava que éramos todos amadores. Ledo engano! O senhor Joe era um tradutor profissional de longa data, tendo começado no ramo no início dos anos 90 e tinha vários clientes. Assim que terminamos a legenda amadora de Shrek 3, ele me chamou para trabalhar com ele, e foi aí que a minha vida mudou completamente.
Sempre digo que ter trabalhado para ele foi o melhor curso que eu poderia ter feito. Foram, pelo menos, sete anos de muito aprendizado, de tentativa e erro, lidando principalmente com legendagem, mas flertando também com tradução literária e técnica. Em 2014, parei de trabalhar para ele para me dedicar às aulas de inglês, e em 2016, ele veio a falecer.
Porém, por mais que eu tenha trabalhado muito com o Joe, nunca cheguei a trabalhar com tradução para dublagem. Isso era uma coisa que eu vinha querendo fazer desde 2007 ou 2008, quando conheci o fórum Dublanet. Foi lá onde conheci muita gente maravilhosa com quem ainda mantenho contato.
Por intermédio de uma das pessoas que conheci nesse fórum, a hoje atriz, dubladora e escritora carioca Nívea Doria, soube no início deste ano de 2017, que a Tecniart Studios, localizada no Rio, estava procurando novos tradutores. Mandei meu currículo sem muitas esperanças, já que não tenho formação e muito pouca experiência nesse segmento. Para minha surpresa, a Tecniart entrou em contato comigo em fevereiro e me pediu para fazer um teste. Eu fiz e consegui passar, dando assim início à minha trajetória na tradução para dublagem! Para esse cliente, poucos meses depois, recebi a responsabilidade de traduzir a série de animação Toonmarty, da Nickelodeon, que vai ao ar todos os dias pela manhã.
Também por intermédio de uma das pessoas incríveis que conheci no Dublanet, desta vez indiretamente, foi que consegui meu segundo cliente. Eu estava olhando os posts dos meus amigos no Facebook e vi o vídeo em que a minha amiga dubladora paulistana, Mariana Mirabetti, dublava uma personagem em um reality show. Fiquei impressionado com a qualidade da dublagem e logo procurei pelo site do estúdio no Google e mandei meu CV para o endereço de e-mail da página.
Algumas semanas depois, recebo um e-mail já com um trabalho para fazer e assim comecei a fazer parte do plantel de tradutores da SP Telefilm. Para esse cliente, traduzi alguns episódios do reality Trato Feito, do History Channel, e outros como o recente Life Of Kylie, série que acabou de estrear no canal E!.
Hoje em dia, trabalho de casa, em Joinville, Santa Catarina, para essas duas empresas e continuo dando aulas de inglês no período noturno. Estou adorando trabalhar com tradução para dublagem, pois mesmo sendo uma área desafiadora, é muito gratificante, porque não é simplesmente o seu texto aparecendo na tela, é o seu texto sendo interpretado por um ator/dublador, tendo como objetivo passar a impressão de que o ator fala o seu idioma, coisa em que eu acreditava quando era pequeno.
Não ser do eixo Rio-São Paulo nunca me impôs nenhuma restrição. No máximo tenho que assinar contratos e mandá-los por correio, o que ainda assim é mais barato do que pegar um Uber para ir até o estúdio, caso eu morasse na mesma cidade. Hoje em dia, as distâncias são reduzidas por causa dessa maravilhosa invenção chamada Internet.
Entretanto, não morar no eixo Rio-São Paulo significa que eu não tenho um contato direto e mais físico com os estúdios. Por exemplo, nunca estive em um estúdio de dublagem, e tudo o que sei sobre o ramo é o que eu aprendi na Internet mesmo, vendo vídeos do YouTube, lendo artigos e conversando com amigos e dubladores conhecidos. Até hoje, nunca cheguei a realmente ver uma dublagem acontecendo na minha frente, coisa que um tradutor que more no Rio ou em São Paulo pode fazer facilmente após marcar com um estúdio (sem precisar pagar avião e hotel).
Outro entrave para quem mora fora do eixo é o de que, pelo que ouvi dizer, alguns estúdios (de longe não são todos!) costumam ter resistência com tradutores de outros estados, pelo menos é a impressão que eu tenho. Há um medo implícito de que nós usaremos expressões regionais muito específicas ou, no caso específico de alguém aqui do Sul, use a segunda pessoa (tu) em vez da terceira (você). Para mim, é uma resistência que não deveria existir, já que qualquer pessoa que nasceu depois dos anos 70 e que cresceu assistindo televisão, conhece muito bem o vocabulário do eixo audiovisual do país.
Então se você quiser trabalhar na melhor das áreas tradutórias, mas não mora nem no Rio nem em São Paulo, não se acanhe! Pesquise sobre o assunto, procure saber como funciona a dublagem, leia todos os posts do Traduzindo a Dublagem (como eu fiz quando comecei), faça um curso de tradução para dublagem on-line (inclusive concluí recentemente o curso da excelente tradutora, Dilma Machado) e venha para este mundo fantástico que está em plena expansão e necessitando de tradutores que gostam do que fazem!”
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