Neste penúltimo post dedicado ao mês do tradutor aqui no Traduzindo a Dublagem, trago mais um guest post fresquinho e imperdível! Como não poderia deixar de ser, o post convidado de setembro foi com uma colega e amiga de trabalho que, a cada trabalho, vem mostrando sua competência e valor no mundo da tradução para dublagem. Quer saber quem é? Então vamos ao nosso relato! 😉
Minha convidada é Bianca da Costa, atriz e tradutora audiovisual para dublagem. É Bacharela em Letras-Tradução pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde se formou em 2015. Bianca assina traduções para dublagem de diversos filmes, inclusive sucessos recentes para o cinema como Ghost in the Shell: A Vigilante do Amanhã, Antes que Eu Vá e, seu último trabalho, Valerian e a Cidade dos Mil Planetas.
Após conhecer o trabalho da Bianca pela internet, tive o prazer de conhecê-la pessoalmente na minha última visita a São Paulo, no comecinho desse mês, e bater um papo super cabeça com ela sobre essa modalidade tradutória que nos une. Pedi a ela para escrever um post narrando um pouco de sua trajetória até chegar ao tão almejado mundo do cinema e compartilhar algumas de suas vivências em projetos cinematográficos, e o resultado você confere agora. Aproveite a leitura, um grande abraço e até o próximo post! 😉
“Antes de apresentar as minhas experiências com tradução para cinema, eu gostaria de agradecer muito ao Paulo pelo convite. É uma honra escrever para o “Traduzindo a Dublagem” e poder dividir este espaço bacana sobre essa área tão especial.
Todas as áreas da tradução têm as suas peculiaridades, e esta não é diferente. No entanto, vamos deixar claro que a tradução para cinema não é nenhum bicho de sete cabeças. Acho que a maior diferença (na minha experiência pessoal, claro) é que a atenção deve ser redobrada, tanto nas bocas como no texto que está sendo traduzido.
Imaginem que um tradutor para dublagem tenha o cuidado de fazer com que as frases traduzidas encaixem na boca dos personagens de um filme ou série. Agora imaginem isso numa tela gigantesca. Agora imaginem a exposição que esse filme terá nos cinemas de todo o Brasil. No cinema, as bocas ficam muito mais aparentes, né?
É evidente que um tradutor cuidadoso já tenha o capricho de fazer com que as frases estejam numa métrica parecida com a do original, mas, além da métrica, há outros detalhes que podem fazer a diferença como, por exemplo, encaixar uma bilabial ou uma labiodental para dar opções para o diretor na hora da gravação. Esse é o tipo de capricho que um filme para cinema pede, diferente de, por exemplo, um episódio de reality show.
Agora, na parte de experiências cinematográficas, tudo começou com o longa-metragem Tirando o Atraso. Antes desse filme, era comum eu traduzir filmes mais desconhecidos, afinal, o estúdio ainda estava conhecendo o meu trabalho. No entanto, depois de ouvir várias dicas do que os diretores da casa queriam e preferiam enquanto eu estava em estúdio, comecei a receber filmes com cada vez mais visibilidade, e o Tirando o Atraso foi o primeiro deles.
Nem consigo descrever a minha alegria quando isso aconteceu! As experiências que tive com as traduções para cinema sempre foram muito diferentes entre si. O Tirando o Atraso veio com os seis rolos já finalizados, e a experiência foi muito parecida com a de outros filmes que eu já havia traduzido, mas, como foi o meu primeiro longa para cinema, a diferença dele para os outros se deu mais pelo friozinho na barriga de acompanhar o desenvolvimento do projeto em estúdio.
Ao final da gravação com o dublador Luiz Antônio Lobue, que deu voz ao protagonista da produção, recebi um presente do ator/dublador: “Não se venda. O seu roteiro é bom. Continue assim.”, ele disse, e, desde então, levo essas palavras sempre comigo.
Quando traduzi o longa Antes que Eu Vá, uma adaptação de um livro, ganhei o livro do cliente, anotei o vocabulário e trabalhei em conjunto com a tradutora para legendagem, de modo que o vocabulário utilizado nas duas traduções fosse parecido, quando não o mesmo. Já o esperado Ghost in the Shell: A Vigilante do Amanhã foi um processo de dois meses de tradução, com direito à pesquisa no anime feito em 1995 e no mangá de 1989, tudo porque eu estava morrendo de medo dos fãs acharem que eu havia modificado o vocabulário da obra.
Além disso, levamos dois meses no projeto porque o filme não veio na sua versão final, portanto, enquanto eu traduzia, eles ainda estavam alterando o filme; partes eram modificadas, entrava personagem, saía personagem, falas eram adicionadas, mudadas, retiradas… Nessa brincadeira, dois meses se passaram e tivemos quatro versões da tradução do filme!
A minha experiência mais recente foi com o longa Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, uma das mais experiências mais inusitadas que vivi até hoje. O filme veio todo borrado e, quando os personagens falavam, pequenas bolas mostravam as bocas deles, eliminando o borrão. Era a única coisa que eu conseguia ver do filme! Além disso, o vídeo veio em preto e branco, com pequenos ruídos agudos ao decorrer do filme e um “x” no meio da tela.
Cada cliente tem suas marcas d’água de segurança para que, caso o filme vaze, as pessoas não consigam assistir e saibam de onde vazou. Alguns vídeos vêm com o nome do estúdio e do cliente no meio da tela, enquanto outros vêm em preto e branco com linhas vermelhas atravessando a tela. Entretanto, essa foi a minha primeira experiência com a tradução de um longa em que eu não conseguia ver direito o que estava acontecendo, o que dificultou a minha compreensão na hora de traduzir. No entanto, o trabalho em equipe de diretor, tradutor, técnico e dubladores fez com que tudo corresse bem e com coesão.
Além dessas coisas inusitadas, traduzir pra cinema tem seus privilégios. Um deles, pessoalmente falando, é poder ver ao vivo a reação de mais de cem pessoas ao mesmo tempo sobre o texto que você colocou na boca daqueles personagens. Essa troca “instantânea” do que funcionou e do que não funcionou (às vezes não funciona, fazer o quê?) é muito prazerosa e divertida de vivenciar. Sem contar que o seu nome está lá, bonitinho, na tela do cinema. Só quem verá é a sua família que é obrigada e o cara do cinema? Provavelmente sim. Mas está lá, né? rs.
Para mim, a diferença entre traduzir para cinema e traduzir para outros veículos é sempre a experiência e o carinho com os detalhes, tanto com os detalhes visuais (como os fonemas), quanto com as nuances semânticas (piadas e expressões). Eu tive uma professora na faculdade que ficava repetindo:“sejam tradutores curiosos”. Ela dizia isso porque um tradutor que não é curioso raramente irá pesquisar uma coisa que soou diferente ao ouvido dele, e isso é um perigo em todos os campos da área de tradução.
Normalmente o roteiro traduzido para cinema ainda passa por um revisor – ainda bem! – mas, mesmo com esse olhar externo, os filmes cinematográficos pedem um cuidado a mais nas traduções. Entretanto, que fique claro, não estou dizendo que a atenção deve ser diminuída nos outros trabalhos. Se o cuidado para os filmes e séries do dia a dia já é grande, eu diria que a tradução para cinema leva o dobro dessa atenção e desse cuidado. Portanto, estejam descansados, procurem um ambiente de trabalho confortável, coloquem a garrafinha de água ao lado e se preparem para muita, muita, pesquisa.
Muita curiosidade para vocês!”
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