Encerrando o mês de julho com chave de ouro, o quadro especial de entrevistas que faço com os mais diversos profissionais do mundo da dublagem está de volta! Se tudo der certo, a partir deste mês de julho, terei um novo entrevistado todo mês, então fique ligado! 😉
Desta vez, trouxe uma convidada pra lá de especial e, mesmo que você não saiba, é a dona de um dos estúdios mais tradicionais do Rio de Janeiro: a Cinevideo. Estou falando de Teresa Cristina dos Santos Elias (mais conhecida como Teresa Elias), antiga tradutora dos estúdios Telecine, PeriFilmes e do famoso estúdio Herbert Richers, onde ficou como funcionária contratada por 8 anos, para depois fundar a Cinevideo.
Nossa entrevista aconteceu no final da tarde de terça-feira, dia 19 de julho, na própria Cinevideo no bairro de Botafogo, e você pode conferir o nosso papo abaixo. 😉 Até o próximo post!
Paulo Noriega: “Teresa, como você chegou ao mundo da tradução? Como a tradução foi parar na sua vida e como foi chegar até a Herbert Richers?”
Teresa Elias: “A tradução começou na época da Telecine porque meu pai era um dos sócios da Telecine. Eu já falava inglês, estudava muito a língua inglesa e tentei. Na época, a gente traduzia com uma fita de rolo, não era fita cassete, nem nada. Era um rolo mesmo! Comecei a trabalhar como tradutora ali na Telecine e quando meu pai saiu de lá, obviamente, eu era a filha do dono, logo perdi o meu trabalho. Enfim, a gente carrega essa cruz, né? De ter o nome do pai por trás e tal… Mas aí chegou a hora de eu mostrar que eu sabia fazer, independentemente do meu pai e de ser filha dele.
Aí eu saí batendo nas portas todas, não foi fácil, não. Na época, bati até numa firma de legendagem chamada Titra, em São Cristóvão. Lá eles disseram: ‘você vai começar aqui escrevendo textos, não vai traduzir nada. Vai datilografar.’ (ri). Mas tudo bem, né? Pelo menos eu tinha um trabalho. Depois, eu passei na Herbert, falei com o seu Herbert e ele disse: ‘não senhora, você vai ficar aqui!’
E foi ali que eu comecei, mas não foi traduzindo direto não! Antigamente, o negócio era mais sério. Ele me deu uns filmes em preto e branco muito, muito antigos já em português pra eu fazer o levantamento deles em português porque eles iam redublar o filme e eu fazia esse levantamento. Depois comecei a traduzir e fiquei lá até o início da Cinevideo. E eu saí de lá com muita tristeza porque o seu Herbert mesmo me disse: ‘Gostaria muito que você ficasse, mas as portas continuam abertas pra você.'”
Paulo Noriega: “E daquela época pra cá, quais foram as principais diferenças que você viu referente a tradução? Antigamente era muito mais comum haver funcionários in-house, por exemplo. Como você sentiu essa transição?”
Teresa Elias: “Olha, pro tradutor melhorou mil vezes, viu? Na época da Telecine, a gente assistia ao filme em película num projetor e que a gente nem tinha como voltar! Tinha que assistir direto marcando no script, uma loucura! Se você tivesse dúvida, tinha que voltar o rolo. Eu ainda tinha facilidade de ter aquelas moviolas e um editor manual que ia pra frente e pra trás. Era um processo difícil e a gente ouvia o rolo em casa, aquele gravador de rolo com um som terrível e era com aquilo que você tentava captar ao máximo, mas depois foi melhorando.
Veio a Beta e o Matic, e a gente assistia na própria empresa em vídeo, mas aí já tinha uma salinha específica pra você. Depois chegou o VHS que facilitou muito! Agora você levava o filme pra casa, né? Então pro tradutor facilitou muito! Depois veio o computador, mas eu não cheguei a traduzir nele, traduzia com máquina de escrever.”
Paulo Noriega: “Então tudo era datilografado?”
Teresa Elias: “Tudo datilografado e em muitos lugares com carbono pra se ter uma cópia. Não tinha xerox… (ri) Mas olha, apesar de tudo, eu acho que os tradutores se empenhavam muito mais do que hoje. Hoje a facilidade é tanta que muitos não se dão ao trabalho de pesquisar. Na época, a gente fazia pesquisa de campo porque não existia internet. Não tinha mesmo, então era sair procurando e perguntando. E agora com essa facilidade, com a internet e tudo mais, ninguém pesquisa nada! Eu vejo barbaridades!”
Paulo Noriega: “E como eram os prazos antigamente?”
Teresa Elias: “Eu sempre tive prazos apertadíssimos, principalmente na Herbert porque lá havia três turnos: dia, tarde e noite. Aquilo lá funcionava a pleno vapor, então a gente trabalhava no domingo, natal, ano novo, páscoa, não tinha feriado! Mas também a gente ganhava por isso, né? Produção é isso!”
Paulo Noriega: “Teresa, agora falando da Cinevideo. Como foi sair da Herbert Richers e fundar a Cinevideo? O começo foi muito difícil?”
Teresa Elias: “Foi sim, a gente não tinha dinheiro nem pra comprar uma lâmpada! A casa da Telecine ficou vazia e aí o meu irmão me chamou pra eu fazer uma sociedade com ele e abrir a firma. Eu disse que tudo bem, mas íamos começar do zero, batendo de porta em porta e pedindo trabalho. Eu traduzia de dia e meu irmão mixava à noite, mas nossa, virei muitas e muitas e muitas noites!”
Paulo Noriega: “A Cinevideo marcou a minha infância e a de muita gente por conta das animações do Cartoon Network, principalmente nas décadas de 80 e 90. Clássicos como A vaca e o frango, O laboratório de Dexter, As meninas superpoderosas e Coragem, o cão covarde foram dublados aqui, né?”
Teresa Elias: “Isso mesmo.”
Paulo Noriega: “E como se deu essa aproximação com o Cartoon Network?”
Teresa Elias: “Não foi bem o Cartoon, foi com a Warner. O Cartoon pertence a Warner, então foi assim. A gente trabalhava na época com um intermediário de dublagem e ele arranjou uma visita da Warner aqui na Cinevideo, e o representante perguntou se eu não poderia ficar como guia dele aqui no Rio de Janeiro e em São Paulo pra ele visitar outros estúdios ajudando a traduzir onde não falassem inglês. E assim foi.
Esse senhor representante, acho que era vice-presidente da Warner, não sei, assistiu ao nosso trabalho e gostou do que já vínhamos fazendo pelo nosso intermediário de dublagem. E aí, ele disse: ‘eu quero que vocês trabalhem direto pra gente, não precisam mais de um intermediário.’ Foi o início da parceria da Warner com a gente e aí vieram os desenhos todos.”
Paulo Noriega: “Teresa, agora com a sua empresa consolidada e você sendo a dona de um dos estúdios mais tradicionais do Rio de Janeiro, como é gerir uma empresa? Como foi sair de uma única função para cuidar do seu próprio negócio?”
Teresa Elias: “É complicado, né? Porque de uma coisa, você passa a fazer mil coisas. Mas por um lado, a experiência que eu tive na Herbert me ajudou muito porque eu via como a coisa era feita, e era feita muito bem! Eu vi como funcionava e tentei implementar aqui na empresa dentro das nossas limitações também.”
Paulo Noriega: “E você ainda consegue arranjar tempo pra traduzir?”
Teresa Elias: “Às vezes, eu ainda consigo sim. O que eu traduzia muito porque era o meu desenho era o Coragem, o cão covarde. O desenho era meu, e eu escolhi o elenco todo. Eu olhava pra imagem e dizia: ‘é esse o dublador que eu quero.’ E eu era muito amiga da Nelly, que dublava a Muriel, tanto que minha foto de perfil no facebook é a Muriel com o Coragem no colo.
Só que depois a Nelly faleceu, infelizmente… eu nunca mais traduzi o desenho… porque quando eu traduzia, eu já escutava as vozes dos dubladores na minha cabeça. Você pensa em duas linhas paralelas de pensamento em inglês e em português. Você ouve na sua cabeça as pausas, as vozes, a entonação, você ouve o português junto (ri).”
Paulo Noriega: “E por fim, Teresa, como é o perfil de tradutores que você julga ser o ideal para entrar no mercado de tradução pra dublagem?”
Teresa Elias: “Todo mundo chega aqui dizendo que domina muito o inglês, mas esquece o português. Não sabem português! O português é um problema sério, as pessoas não sabem mais conjugar verbo… coisas primárias. O subjuntivo é um mistério hoje em dia, e agora tem também a torcida do gerúndio: ‘Vou estar fazendo…’, uma coisa horrorosa, isso não é português.
O tradutor tem que estudar português, pelo amor de Deus! É a nossa língua. Há pouco, eu fui avaliar uma tradução e peguei esses erros que estão ficando cada vez mais comuns. O tradutor me respondeu: ‘ah, mas hoje todo mundo fala assim.’ Não pode ser desse jeito. O coloquial da nossa língua, eu aceito tudo, mas há coisas que não dá pra abdicar. Aprendam português e depois a gente conversa! (ri).”
Deixe um comentário