Eeeeee temos a estreia do primeiro quadro especial dedicado exclusivamente a entrevistas aqui no blog com profissionais do mundo da dublagem como diretores, dubladores e, obviamente, tradutores do ramo! Para começar com o pé direito, decidi estrear esta série de entrevistas com um grande dublador e também um dos diretores com quem tive um contato maior no começo da minha carreira como tradutor e por quem tenho uma imensa admiração: José Santana.
Quando ainda estava cursando meu bacharelado na PUC-RIO em 2013, precisei fazer uma monografia para a matéria Estudos da Tradução. Como forma de tentar falar mais sobre a minha área, uma vez que já havia começado a traduzir na época, decidi explorar as primeiras décadas da dublagem brasileira e, como estudo de caso, examinar a dublagem de Branca de Neve e os sete anões, primeiro filme dublado em nosso país.
Por ser um veterano da dublagem e um diretor com quem eu já mantinha um certo contato, sabia que Santana poderia me fornecer um bom panorama sobre o tema que escolhi. Ele aceitou meu humilde convite e tive a chance de entrevistá-lo em uma tarde com um clima bem descontraído. Outro profissional entrevistado por mim nessa mesma época em que estava realizando a monografia foi Orlando Drummond, eterno dublador do nosso inesquecível Scooby Doo. Não se preocupe, pois essa entrevista será postada futuramente 😉
A entrevista que fiz com Santana, apesar de relativamente curta, é muito rica e repleta de informações do início da nossa querida versão brasileira. Para os que não o conhecem, José Santana é um veterano da dublagem e entre seus personagens mais marcantes estão Willie Tanner em Alf, o Eteimoso, o robô Starcream do antigo desenho Transformers. Além desses e de outros personagens, também dublou atores famosos como Vigh Rhames, Delroy Lindo, Hulk Hohan, Richard Pryor, Peter Sellers, Richard Harris e Christopher Lee.
Agora sem mais delongas, aproveite a entrevista e até o próximo post!
Paulo Noriega: “Santana, o que na sua concepção mais mudou da dublagem antiga para a atual? E há preocupações que se tinham antigamente e não se tem mais hoje e vice-versa?”
José Santana: “Naquela época, nós dublávamos em 16 milímetros, então, trabalhávamos em um estúdio com todos na bancada. Havia o operador de áudio que gravava as falas e um projetor no andarzinho de cima que jogava o ótico na tela, uma tela grande. Esse ótico era cortado em loops, então gravávamos assim naquela época. Isso perdurou até setenta e nove, por aí. Em setenta e oito houve a greve dos dubladores, quando entraram vários dubladores que hoje dominam o mercado… bons dubladores, por sinal.
Mas o que mudou na verdade, na minha opinião, foi a questão de profissionalidade. Hoje a dublagem não é mais… ela é profissional, não tenha dúvida, porque todos são registrados no sindicato, todos tiveram carteira assinada e todos na verdade são profissionais, mas a questão é que a dublagem começou com rádio-atores. Então, eram elementos que dominavam bem toda aquela condição, aquela emoção, sentimento… tudo pela voz.
Hoje nós não temos, na maioria das vezes, não temos mais elementos dessa natureza. Muitos já faleceram, outros preferiram se aposentar, sair da dublagem… e o que nós temos hoje, na verdade, são elementos que nem todos são atores… tem muitos locutores, tem muitos que nem locutores foram e que passaram a ser locutores depois que começaram a dublar e alguns muito poucos, na verdade, que são verdadeiramente atores de teatro, de cinema, televisão, muito poucos. Então isso foi uma questão fundamental para a mudança do padrão da dublagem daquela época pra cá. Se você assistir canais onde passam filmes antigos, você vai ver que a dublagem naquela época tinha outro sentido.
Os profissionais, na verdade, eram profissionais que, e eu como diretor posso falar isso, hoje, por exemplo, se eu precisar de um ator ou outro ator para escalar e ele não puder trabalhar fica difícil eu ter uma segunda, terceira ou quarta opção. Naquela época, não. Naquela época se eu não tinha o primeiro, eu teria um segundo ou um terceiro ou um quarto que preencheriam exatamente aquilo que eu queria no personagem que eu gostaria de escalar.”
Paulo Noriega: “Santana, agora mais do ponto de vista da tradução: houve muita diferença dessa época mais antiga para a atual? De repente, mais diretores traduziam também? Como era a escolha dos tradutores nessa época mais antiga? Houve alguma grande diferença?”
José Santana: “Houve. Naquela época, os tradutores praticamente trabalhavam na casa de dublagem. Eles trabalhavam na casa durante todo o período, doze horas ou o quanto fosse necessário para traduzir um filme, uma série e assim por diante. Então, nós tínhamos contato direto com cada um deles e eles conosco. Eles nos diziam que tipo de filme era e se tivéssemos dúvida, era só mandar chamar o tradutor, que ele vinha no estúdio.
Bom, com o tempo, essa tradução começou a ficar modificada porque não só alguns diretores, que não falam inglês, e se aproveitavam muito da internet para poder traduzir os filmes e na composição final jogar isso num script de dublagem, a coisa ficou um pouco mais complicada.
O que piorou também ainda mais para a dublagem de hoje é que um grande número de tradutores, e veja bem, bons tradutores, não são maus tradutores… mas que nunca dublaram, nunca conheceram um trabalho de dublagem… então, em geral, eles traduzem como se fosse para livros técnicos ou para legendagem e isso, na verdade prejudica um pouco o trabalho do diretor ao assistir e marcar o filme para poder escalar. Mas no contexto geral, a gente consegue ainda trabalhar bem.
Eu acho que todo tradutor, ou todo diretor ou toda empresa de dublagem deveria sempre ter uma reunião de tradutores com diretores, até porque a maioria dos diretores, todos, eles têm um conceito de tradução e isso é normal. Mas tem alguns tradutores que não acompanham ainda esse tipo de padrão em tradução de dublagem. Isso, na verdade, dificulta um pouco, não prejudica, mas dificulta um pouco o trabalho do diretor. E tem diretores que não se preocupam tanto com a tradução quando assistem o filme, e eles sentem essa dificuldade no estúdio. Vai atrasar o horário, vai atrasar o filme, porque ele vai ter que fazer os consertos, ele vai ter que tentar traduzir, ele vai ter que tentar melhorar o texto da dublagem no estúdio e isso leva tempo. Essa é a grande diferença.”
Paulo Noriega: “Santana, você me disse uma vez que durante um tempo, além de diretor, você chegou a traduzir algumas coisas também, atuou com tradutor. Como é que era isso numa época em que a internet era uma coisa praticamente inexistente, como era o processo? Quais eram as principais fontes de pesquisa?”
José Santana: “Olha, essa época realmente era uma época muito difícil. Ou você era ou não era um profissional. Como eu sempre me interessei muito pela dublagem e fazer o melhor dela, porque eu acho até hoje que dublagem é cultura e talvez tenha sido, por isso, até que as televisões a cabo começaram também a dublar os filmes que antigamente só eram legendados, né? Mas naquela época, nós tínhamos o script, então… traduzíamos o script, mas também naquela época tinha um detalhe muito interessante, eu não sei se vocês têm esse tipo de problema hoje. Naquela época nem sempre vinha o script, você tinha que traduzir o filme direto. E quando vinha, muitas vezes vinha a metade, só vinha a primeira parte, a segunda não.
Houve uma coisa interessante na minha vida profissional, que eu fiz na Herbert Richers, um filme chamado By cross, um filme japonês… e nesse filme japonês só vinha a primeira parte da dublagem e eu não falo japonês. Então, o que é que eu fazia? Eu assistia todo o filme e começava a colocar textos, falas em cima das cenas que eu ficava assistindo até terminar o filme. Era um negócio en-lou-que-ce-dor! Mas… o show não pode parar e eu tentava fazer o melhor e dava certo.”
Diana Margarita
20 de maio de 2016Parabéns, muito boa a entrevista!
Luiz Souza
18 de fevereiro de 2017Meu Deus, só de pensar no trabalho enorme que era pra traduzir naquela época me dá canseira! Só sei que a gente nunca pode reclamar do que a gente tem à disposição. Hoje em dia, em comparação, é extremamente fácil fazer uma tradução boa. Você pode pesquisar e obter informação em literalmente segundos. Sim, o Word dá raiva às vezes, mas é melhor do que qualquer coisa que eles usavam nos anos 80! Sempre que eu começo a reclamar do trabalho, eu penso: “Cara, cê mora na melhor época pra isso. Cala essa boca.”
E parabéns pelo post! Tô curtindo pra caramba essas entrevistas e as dicas!
pfcnoriega
18 de fevereiro de 2017Sim, Luiz hoje em dia é infinitamente melhor rs Mas ao mesmo tempo, vemos traduções horrorosas também feitas por google tradutor ou coisa pior… às vezes parece que com a facilidade, a dedicação cai muito e a primeira coisa que se acha no google, alguns tomam como verdade e isso é bem preocupante e prejudica a qualidade das nossas dublagens. E obrigado por estar comentando por aqui no blog, fico muito feliz! =)
gugahalmeida
8 de abril de 2017Ótima entrevista, uma vez ele me disse que tradutores para dublagem deveriam ser muito melhor remunerados, para manter os bons interessados em trabalhar sempre. O Santana é das pessoas, por mim, mais queridas na dublagem, além dele ter sido um dos primeiros a me ouvir e me dar oportunidades, oportunidades até para que eu crescesse e pudesse verdadeiramente mostrar meu trabalho em papéis distintos e desafiadores, ele é do time dos diretores que gosta de dirigir, que provoca o ator a melhorar, que se pega ao detalhezinho que pode ter passado despercebido, mas que vai fazer a dublagem ficar muito boa, natural, sem contar que tem pleno domínio do que faz. sou muito fã desse cara.
pfcnoriega
10 de abril de 2017Ele é um mestre, trabalhamos muito juntos no começo da minha carreira. Sempre trocávamos ideias e ele me dava altos toques e foi muito generoso quando me deixou entrevistá-lo! Que bom que ele te ajudou tbm, Guga. =)
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