O meu convidado para o guest post do mês de julho veio para esclarecer como funciona a dublagem tradicional e a dublagem de jogos, que vem ganhando cada vez mais espaço nos últimos anos aqui no nosso país. Para isso, nada melhor do que chamar um dublador, não é verdade? Ficou curioso e quer saber mais sobre as experiências do meu convidado nesses dois segmentos da dublagem? Então vem comigo!
O meu convidado da vez é Gustavo Almeida. Formado em Artes Cênicas pela UNIRIO, possui experiência profissional como ator desde 2007. Atuou em peças de teatro, fez participações na TV e, desde 2013, atua na área de dublagem emprestando sua voz a personagens de games, séries, filmes, desenhos animados e novelas. Como tradutor para dublagem, tem em seu histórico a tradução da 5ª temporada da série Switched at Birth, o filme Kids in Love (2017) e, recentemente, a redublagem de Barbarella, clássico Cult, com a atuação de Jane Fonda. Além disso, atuou como gerente de projetos na Synthesis Brasil, onde coordenou as gravações da dublagem de jogos durante o ano de 2013, como Call of Duty – Ghosts, Skylanders, Watch Dogs, Assassin’s Creed e Need for Speed: Rivals.
Por ainda ser uma dúvida que muitos têm, pedi para o meu convidado falar sobre suas experiências no campo da dublagem tradicional e a de jogos. Aproveite a leitura e não se esqueça de deixar o seu comentário! Um grande abraço e até o próximo post! 😉
“A convite do meu amigo Paulo, que me pediu que escrevesse um pouco sobre a experiência de gravar jogos, resolvi relatar minha experiência pessoal nesse segmento e traçar os paralelos com a dublagem tradicional, encontrada nos mais diversos produtos como filmes, séries, novelas, realities, etc…
A primeira pergunta que sempre surge é qual dessas formas de dublagem é mais fácil. Pessoalmente, é uma pergunta muito relativa, não só porque algo que é fácil pra mim, pode ser difícil pra outro, como também ambos os processos têm pontos convergentes e divergentes. No entanto, acredito sim que a dublagem pra games como praticamos hoje, e como fazemos desde 2013, pelo menos, quando tive minhas primeiras experiências, é mais complexa do que a dublagem tradicional.
Na tradicional, temos a máxima de que temos que dublar a imagem, pois é ela que nos conduz. Para muitos, o texto traduzido serve de pré-texto para transmitir uma emoção e contar uma história através da sucessão dos fatos, cenas e falas. Nos games, esse processo é mais “picotado”, ou seja, não é linear. É raro termos uma cena contínua, uma linha temporal de toda a história, com exceção das cinematics do jogo (aqueles momentos em que o jogo apresenta cenas e pequenos “filminhos” entre ações ou fases). Todo o restante virá salpicado em arquivos com classificações diferentes e que podem ou não se referir a mesma cena, ou a diferentes desdobramentos da mesma.
Em jogos abertos, onde existe mais de uma possibilidade de jogada e mais de uma forma de a história se desenrolar, é possível que aconteça o seguinte: você pode gravar o primeiro arquivo sendo apresentado a alguém, mas os seguintes serão reações a uma ação do jogador. Se ele resolver ser seu aliado, o resultado será uma fala amistosa. Caso ele resolva que vocês vão brigar, a fala seguinte terá um tom mais sério e sóbrio, e esses três arquivos podem ser gravados em sequência, sem necessariamente seguir uma ordem cronológica. Cabe ao diretor de dublagem ficar atento a isso, e é imprescindível ao ator/dublador ter a compreensão do que se trata cada fala.
Acredito que esse seja um processo em constante aprimoramento, pois, cada vez mais os arquivos para gravação vêm acompanhados de algum material explicativo enviado pelo cliente. Por exemplo, podem ser pequenos releases, referências dos criadores do jogo ou uma biografia dos personagens. Pode haver também amostras de voz dos personagens em alguns momentos do jogo, mas isto é para o momento inicial, em que os produtores escolherão as vozes que serão utilizadas.
Boa parte dos personagens principais e secundários nos jogos e dos principais NPCs (personagens não jogáveis) é testada, tal como na dublagem tradicional de filmes para cinema, ou seja, ocorre uma fase de testes para decidir quais dubladores participarão do projeto. Nesses testes, grava-se um “sample” com, pelo menos, três atores para cada personagem, e o cliente aprova ou não as escolhas do produtor (ou gerente de projeto).
Falam muito também da ausência do recurso visual na dublagem de jogos. Essa é uma meia verdade. Ainda que não tenhamos a cena final, tal como será apresentada no jogo, muitas vezes temos um esboço dela, sem o acabamento final, onde podemos perceber a movimentação dos personagens e alguns traços importantes do rosto para utilizarmos de apoio.
Ainda que, em alguns casos, nem isso tenhamos, temos um outro guia visual que é a “onda” do aúdio, uma representação gráfica que nos mostra, em uma pista de gravação, o arquivo que será gravado. Dessa forma, temos uma ideia de duração e intensidade da voz do personagem original. Podemos perceber nesta representação as pausas e as nuanças do tom de voz, que nos ajudam na compreensão do contexto e na interpretação da cena.
Obviamente que, nesse processo, podem acontecer equívocos na interpretação ou o resultado não ser exatamente o que o cliente esperava. Quando isso ocorre, esses consertos podem ser feitos na fase de retakes, que é quando o jogo já está melhor acabado ou com indicações melhores, por parte do cliente, do que aquela cena ou ação específica diz respeito.
Eu já tive a experiência de gravar o vilãozinho de um jogo, o Lord Kaos dos Skylanders, que acabou sendo o “protagonista”, pois a história passa a ser contada através da interação do vilão com o player 1 (projeção do jogador real no game). Foi uma experiência incrível e foram, pelo menos, 20 horas em estúdio, com sessões que chegavam, às vezes, a quatro horas seguidas de gravação. Tudo isso contando com e sem as cenas principais, com arquivos que exigiam o SS (SuperSync) ou LS (LipSync), que devem ficar exatamente iguais ao original.
Por conta dessa nomenclatura, fica clara uma pequena diferença do processo de dublagem tradicional para o de jogos, já que há alguns arquivos com classificações mais “livres” como o VO (voice over) e o TC (Time Constrict), que podem ser ligeiramente maiores ou menores que os originais. O legal é que isso dá uma liberdade maior para a interpretação do ator e até mesmo possibilita uma maior liberdade para os tradutores colocarem sua assinatura de criação em um arquivo ou outro, gerando, talvez, o que chamamos de versão brasileira, apresentada em séries, desenhos e filmes, com adaptações magistrais.
Gravar jogos é uma experiência muito interessante, rica e intensa, pois é preciso estar atento ao áudio a todo instante e atento a uma precisão quase cirúrgica para adaptar a sua interpretação a do original. Tudo isso sem fugir uma vírgula ou pausa sequer, já que qualquer deslize pode derrubar uma cena inteira e tirar a força da cena dentro do jogo, o que acaba prejudicando o processo de imersão do jogador.
Na dublagem tradicional, dentro de uma obra audiovisual, podemos fazer, no máximo quatro dobras, ou seja, personagens menores com ou sem vozerios. Já em jogos de classe AAA (os principais e mais aguardados do mercado), podemos fazer uns 20 personagens menores que, ainda assim, a possibilidade do jogador atribuir a sua voz a todos aqueles personagens é mínima, devido às variações de possibilidades do desdobramento da história do jogo que já mencionei.
No entanto, quando você pega um personagem de destaque e com relevância dentro da história do jogo, o cliente costuma preservar a identidade da voz e mantê-la somente naquele papel. Isso também ocorre em jogos de dimensões menores, como os que contam com personagens muito famosos pelo grande público e em jogos on-line.
Em resumo, é um mercado fascinante e tão excitante de se trabalhar quanto a dublagem “tradicional”, mas que possui as suas peculiaridades e seu encantamento próprio. Para atores nerds como eu, que adoram jogos e novas tecnologias, o mercado da indústria de jogos alia muitos dos atributos que esperamos encontrar em um trabalho.
Além de termos a oportunidade de contribuir com a imersão, colocando a nossa voz naquele universo, aproximando-o da realidade do jogador, realizamos (ou pelo menos eu) o sonho de participar de produtos que serão amplamente veiculados. Muitos desses jogos participarão da infância de muitas crianças ou de jovens adultos, de nerds, enfim, de um público consumidor que manterá vivos o sonho, o mercado e a curiosidade pela dublagem.”
Viviane Andrade
14 de julho de 2017Ai, este blog…. sempre antecipando o que a gente gostaria de ler! Obrigada, Gustavo Almeida, por dividir sua experiência com a gente. Obrigada, Paulo Noriega, pela excelente ideia!
Paulo Noriega
14 de julho de 2017hehehe que bom que eu adivinhei seus pensamentos, Viviane! Agradeço muito ao Guga por essa parceria. Se quiser fazer alguma sugestão, inclusive, de algum tópico que você queira ver por aqui em algum momento e que ache que possa atender outras pessoas, é só falar! Beijo grande!
Guga Almeida
25 de agosto de 2017Obrigado, Paulo, pelo carinho e pela oportunidade em me deixar falar um pouco sobre esta área para o seu blog.
Que bom que gostou do guest post Viviane.
forte abraço.
Paulo Noriega
27 de agosto de 2017Eu que agradeço a parceria, Guga! Obrigado por tudo! Abração =]
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