Costumo dizer que tradutor é um cargo de confiança. A partir do momento em que um cliente o procura para realizar uma tradução e entregá-la em uma data específica, o cliente espera não se decepcionar. Quanto mais o tempo passa, mais essa confiança tende a aumentar, e com isso, as noções de responsabilidade e comprometimento também.
Quando falo de comprometimento e responsabilidade, me refiro aos prazos, que por fazerem parte do ofício de qualquer tradutor profissional, é preciso aprender a lidar com eles, de modo que a vida pessoal não seja prejudicada. É um jogo difícil, mas do qual não podemos escapar, uma vez que o tradutor ganha por sua produtividade.
No caso da tradução para dublagem mais especificamente, o modo como esses profissionais lidam com seus trabalhos é um pouco mais complicado, pois é um ramo que funciona sob demanda. Com isso, quero dizer que novos trabalhos podem surgir a qualquer momento, uma vez que os estúdios recebem produções novas constantemente, e é óbvio que quanto maior for o número de clientes do tradutor dessa modalidade, maior será a chance de ser acionado.
É fato que há meses ao longo do ano em que o fluxo de trabalho tende a ser maior e, por consequência, são as épocas em que, muitas vezes, é necessário abdicar de algumas coisas. Para cada trabalho, assume-se um novo comprometimento com seu cliente, principalmente quando se trata de séries ou desenhos animados, já que são produtos que costumam ter várias temporadas. Nesses casos, o ideal é que o tradutor, na medida do possível, consiga traduzir o maior número de temporadas daquele produto, pois já conhece os personagens, o tom, a carga emocional e os termos específicos nele presentes.
Para tentar ilustrar melhor o que estou falando, gostaria de compartilhar uma experiência que tive com uma das primeiras séries que traduzi e da qual eu gostava bastante e até hoje sinto falta: Flashpoint, uma série policial exibida há alguns anos no Universal Channel.
Fui o responsável pela tradução de boa parte das três temporadas encomendadas pelo canal, e se tratando de séries, o cronograma de entrega pode variar muito dependendo do caso e da urgência do cliente. Com essa em especial, as três temporadas foram encomendadas praticamente uma após a outra, pois quando eu ainda estava na reta final da tradução da primeira, já havia chegado o cronograma de entregas dos episódios da segunda. Lembro-me que eu estava na época de final de período (aquela loucura da faculdade!), e por conta do volume de provas e trabalhos finais, não pude traduzir os últimos episódios da primeira temporada, e só voltei a partir do oitavo da segunda.
Passei o glossário elaborado por mim para a tradutora que assumiu na minha ausência, para que ela mantivesse os termos-chave, e ao retomar a partir do oitavo episódio, o restante da temporada me ocupou o mês de julho inteiro até a segunda semana de agosto (período em que estava de férias da faculdade). Praticamente, não havia tempo para descansar, pois o prazo estava muito apertado.
Ao longo daquele mês e duas semanas de trabalho intenso, perdi três aniversários de amigos queridos, e quanto mais o tempo passa e mais experiências vou trocando com meus colegas de profissão, mais vejo que isso é algo relativamente comum. Uma vez assumido o compromisso com seu cliente, você deve levá-lo até o fim, pois ele depende de você para poder entregar a produção dublada no prazo para quem a encomendou.
Em casos de séries, como eu já havia dito, o ideal é que o grosso da tradução fique na mão de um mesmo tradutor, e consegui fazer isso até a terceira temporada da série, já que o canal não encomendou as duas últimas. No entanto, isso não é desculpa para o tradutor não se policiar e tomar providências para poder gerenciar melhor a sua vida e não deixar o trabalho sufocá-lo.
Ao longo da minha carreira, vi que uma boa organização é a chave principal para se ter sucesso nesse quesito. Por mais que tenhamos o hábito de separar a vida em duas partes,”profissional” e “pessoal”, a verdade é que a vida é uma só, e o lado pessoal afeta o profissional e vice-versa. Portanto, ser organizado é crucial para que os compromissos pessoais não sejam preteridos em relação aos profissionais.
Há acontecimentos na nossa vida e na de outras pessoas aos quais não queremos faltar de jeito nenhum e que não acontecem sempre, desde aquela exposição do seu artista favorito até o casamento do seu melhor amigo. Para boa parte desses eventos, você já tem conhecimento da data, então é necessário redobrar a atenção na hora de aceitar novos trabalhos perto dessas ocasiões.
A mensagem final que quero deixar com esse post é que a decisão final está nas mãos do tradutor. Por mais que o trabalho seja uma parte importante e necessária de nossas vidas, ela é uma parte. A decisão de aceitar ou não um trabalho cabe ao tradutor, mas muitos se esquecem disso e são sufocados por seus projetos e prazos. Não vou mentir e dizer que isso não acontece comigo até hoje em certas épocas, afinal gosto muito do que faço e, como todos os meus colegas, preciso sobreviver.
Entretanto, há acontecimentos que são únicos na nossa vida e na vida dos nossos entes queridos, portanto, vigilância e planejamento constantes para não deixar que o trabalho, que é para ser algo prazeroso, se torne um empecilho. 😉 Caso queira compartilhar alguma experiência, deixe seu comentário e até o próximo post!
LUCIANA FRIAS
12 de agosto de 2016Amei o texto, Paulo!
Abdicar de alguns eventos para cumprir com o combinado com o cliente faz parte do trabalho! Mas também concordo que o equilíbrio é fundamental para que o trabalho não se torne um fardo nas nossas vidas. Parabéns pela mensagem!
pfcnoriega
12 de agosto de 2016Obrigado, Luciana =) Valeu pelo prestígio e espero que a mensagem toque outros colegas também! Beijo grande!
Isadora Veiga
12 de agosto de 2016Disse tudo, Paulo 🙂
pfcnoriega
13 de agosto de 2016😉
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