Você sabia que o dia da acessibilidade é comemorado no dia 5 de dezembro? Pensando nisso, o último guest post do ano aqui no Traduzindo a Dublagem veio para homenagear esse dia, que foi na última terça-feira. Não sei se você já parou para pensar a respeito, mas a dublagem, entre os vários públicos aos quais ela se dedica, está o público dos portadores de deficiência visual, que podem se beneficiar das produções estrangeiras que são dubladas em nosso país, por intermédio das vozes dos nossos dubladores.
Entretanto, existe uma outra modalidade tradutória que vem ganhando cada vez mais destaque no Brasil chamada audiodescrição, e é sobre ela e os seus paralelos com a dublagem que vamos abordar no post de hoje escrito pela minha convidada especial. Quer conferir? Então vem comigo!
Para abordar essa temática tão interessante, convidei minha amiga Gabriela Baptista para poder falar com mais propriedade sobre a audiodescrição e dos paralelos que podem ser traçados entre essas duas modalidades tradutórias que proporcionam experiências distintas aos telespectadores. Gabriela é graduada em Comunicação (Cinema) pela UFF, com Curso de Formação de Tradutores pela PUC-Rio e Mestrado em Estudos da Linguagem/Tradução, também pela PUC-Rio. Em relação às suas áreas de atuação, trabalha sobretudo com tradução (inglês>português), versão (português>inglês), legendagem e audiodescrição.
Ah, e já rolou aqui no blog um post escrito por mim em que falei sobre as diferenças entre a dublagem e o voiceover, outra modalidade conhecida do universo da tradução audiovisual, e você pode conferir aqui! Agora deixo você com a minha convidada, aproveite a leitura e até o próximo post! 😉
“Meu primeiro contato com a audiodescrição aconteceu durante o Mestrado em Estudos da Linguagem na PUC-Rio. Como me formei em Cinema, decidi explorar os Estudos da Tradução Audiovisual (TAV), uma subárea dos Estudos da Tradução, que engloba as modalidades mais tradicionais, a legendagem e a dublagem, e as mais recentes, voltadas para a acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência: a legendagem para cegos e ensurdecidos (LSE) e a audiodescrição (AD). Depois de um mergulho teórico no campo da TAV, fiquei fascinada com as possibilidades de inclusão da AD e me interessei em trabalhar na área. Fiz, então, um treinamento no CPL – Soluções em Acessibilidade e presto serviços à empresa desde então.
A audiodescrição é voltada para a acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência visual e consiste na descrição dos elementos e características visuais de imagens estáticas (ilustrações, fotografia, obras de arte, prédios e monumentos) ou em movimento (produtos audiovisuais, espetáculos e eventos). É apresentada em forma de narração oral, geralmente nos momentos em que não há falas ou efeitos sonoros relevantes para o entendimento. A ideia é permitir que pessoas com deficiências visuais, que podem ir desde a baixa visão até a cegueira total, tenham acesso às informações que são transmitidas de forma visual.
Como abrange uma diversidade de produtos e situações, pode ser realizada de diversas formas: ao vivo ou gravada, com ou sem roteiro. Por exemplo, no caso de uma peça de teatro, é feita ao vivo, pois a atuação e as falas dos atores nunca são exatamente iguais em todas as encenações, e geralmente parte de um roteiro produzido previamente com base no texto da peça. Nas situações em que não há como prever o que vai acontecer exatamente, como em debates políticos e eventos esportivos, também é feita ao vivo, mas sem roteiro. Nesses casos, o audiodescritor precisa encontrar soluções na hora em que realiza as descrições, o que aproxima o seu trabalho ao dos intérpretes.
Agora já que o assunto aqui do blog é a dublagem, vou me concentrar na audiodescrição de produtos audiovisuais dublados, como filmes e programas de televisão, e nas relações entre essas duas formas de tradução audiovisual. A principal diferença entre elas é que a dublagem é uma forma de tradução interlingual, ou seja, entre dois idiomas diferentes, enquanto a audiodescrição é definida como tradução intersemiótica, na qual signos visuais são traduzidos em linguagem verbal.
Diferentemente de produtos com áudio original em português, nos quais a audiodescrição é a única tradução, os produtos dublados ou legendados exigem que o audiodescritor atente para possíveis discrepâncias entre o idioma e o contexto originais e a tradução. Mesmo no caso de produtos estrangeiros sem falas ou diálogos, é preciso tomar cuidado com possíveis informações passadas visualmente que não sejam amplamente conhecidas.
Como sabemos, ao traduzir, é comum lançarmos mão de pequenas adaptações para que o texto flua melhor e faça sentido para o contexto da cultura de chegada. Na tradução audiovisual, que alguns teóricos consideram “tradução subordinada”, há ainda restrições quanto à forma como a mesma se apresenta. No caso da produção de roteiros para dublagem, as escolhas precisam levar em conta a sincronização com os movimentos labiais dos personagens, enquanto na legendagem é preciso sintetizar as informações para que o texto se encaixe na quantidade limite de caracteres da legenda. Quando o produto audiodescrito é legendado, as legendas são lidas por um narrador diferente, para que não haja confusão entre elas e as descrições.
Voltando à dublagem, as semelhanças com a audiodescrição começam pelo processo de produção: um profissional produz um roteiro que é gravado em um estúdio por outro profissional, no caso, um dublador ou locutor, sob as orientações de um diretor. O resultado passa, então, a fazer parte da trilha sonora do produto. Confira abaixo um trecho do Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge com dublagem e audiodescrição.
Como os usuários da audiodescrição têm acesso apenas ao áudio, é fundamental que haja harmonia entre as falas e as descrições. Justamente por isso, o primeiro passo da produção do roteiro de AD é assistir ao produto com muita atenção ao vocabulário e à nomeação dos personagens, fazendo anotações acompanhadas da minutagem. Quando há algum conflito entre a imagem e a dublagem, por necessidade de adaptação ou mesmo por um eventual erro, é preciso encontrar uma solução que não comprometa o entendimento.
Por exemplo, fiz a audiodescrição de uma série de tevê sobre o Rei Tutancamôn, ambientada no Egito Antigo. Em uma das cenas, aparece um cômodo de um palácio, que poderia ser descrito como um salão. Porém, em um diálogo, um dos personagens se refere ao ambiente como câmara, então foi esse o termo que optei por usar na descrição, para que o espectador não ficasse com a impressão de que eram lugares diferentes, uma câmara e um salão.
Outra situação envolveu um erro na nomeação de um personagem. Na dublagem, ele era chamado de Miguel na maior parte do tempo, mas, em uma cena, foi chamado de John. A solução foi ressaltar a mudança na descrição, com a frase “Miguel, agora chamado de John…”.
É preciso também ficar atento à uniformidade do vocabulário. Na tradução para dublagem, é possível que sejam usados termos diferentes para o mesmo objeto, para evitar repetições. Na audiodescrição, porém, é fundamental usar sempre o mesmo. Por exemplo, uma mesa de escritório também pode ser chamada de escrivaninha, logo o audiodescritor precisa optar por uma dessas palavras e usá-la em todas as cenas para não confundir o telespectador.
Esses são apenas alguns dos desafios enfrentados pelos audiodescritores e ilustram bem a necessidade de formação para quem tem interesse em atuar na área. A preocupação com a acessibilidade tem sido cada vez maior e, com isso, o mercado da audiodescrição aqui no Brasil está em expansão. Para saber mais, o Blog da Audiodescrição traz notícias e informações para quem deseja saber mais sobre esse segmento.”
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