É impossível não falar de dublagem, principalmente de uma boa dublagem, e não falar de sincronismo. Até já cheguei a falar um pouco sobre isso em um dos primeiros posts aqui do Traduzindo a Dublagem, como sendo um dos requisitos para se ter uma tradução para dublagem de excelência. Entretanto, no post de hoje, seguindo a programação especial do mês do tradutor, vou aprofundar esse assunto!
Primeiramente, ao se pensar em dublagem, de cara, o sincronismo labial é o que vem à mente das pessoas. No entanto, você sabia que ele não é o único tipo de sincronismo existente? Vamos aprender um pouco mais sobre esse assunto tão importante na tradução para dublagem? 😉
Ao falarmos de sincronismo em dublagem, antes de mais nada, é preciso ter em mente que existe mais de uma forma de classificação entre os teóricos que se dedicam ao estudo da tradução para dublagem. Por exemplo, Henrik Gottlieb categoriza seis sincronismos distintos: labial, bilabial, de núcleo, silábico, do discurso e de voz, cada um tendo como seus respectivos focos a articulação, a boca, os gestos, a velocidade, a tomada de vez (turntaking) e a escalação de um dublador para um papel que combine com suas características.
Outra classificação é a do teórico Paquin, que propõe três tipos de sincronismo: o fonético, o semântico e o dramático. Entretanto, mesmo com as classificações de Gottlieb e Paquin sendo muito interessantes, elas não serão contempladas neste post. Para quem quiser mais detalhes, há uma excelente explicação sobre ambas no capítulo 15 do livro O processo da tradução para dublagem brasileira: teoria e prática, da tradutora para dublagem, Dilma Machado.
A abordagem que tratarei aqui é a do teórico e tradutor para dublagem, Frederic Chaume, um dos mais renomados da Europa, que inclusive tem uma entrevista legendada aqui no blog! Caso não tenha conferido ainda, clique para conferir as partes um e dois!
Pessoalmente, gosto mais da categorização desse ilustre teórico, justamente por ser mais simplificada e de mais fácil assimilação. Dito isso, vamos partir para os três tipos de sincronismos propostos por ele? 😉
Bom, comecemos pelo primeiro tipo de sincronismo que está presente em toda santa dublagem: o isocronismo.
O isocronismo corresponde à entrada e à saída de fala, ou seja, é o sincronismo existente em qualquer boa dublagem que se preze. Esse sincronismo se refere à duração da tradução com as falas dos personagens. Em resumo, é quando o personagem abre a boca e esperamos que ele comece a falar e, obviamente, ao fechar a boca, esperamos que ele pare de falar.
Para exemplificar, observe o isocronismo na cena abaixo do primeiro episódio do desenho Thunderbirds, traduzido por mim no ano passado.
Um dos maiores entraves na busca por um sincronismo labial perfeito está nas questões fonéticas intrínsecas à língua portuguesa e à língua inglesa, idioma mais recorrente na tradução para dublagem.
Como sabemos, o inglês tem um número muito maior de palavras terminadas em consoantes do que o português, que tem a maioria das palavras terminadas em vogais. Pense por exemplo na tradução das seguintes palavras: “ball”, “bomb”, “airport”, “doll”, “zodiac”, “car” e “exotic”? O que a tradução delas para a nossa língua têm em comum? Pois é, todas ganham vogais, o que impede um sincronismo labial perfeito, mesmo que se tente rearrumar a ordem das palavras da fala.
Vamos a um exemplo: “I bought a new car”. No original, devido ao som da letra “a” na palavra “car”, o personagem encerra sua fala com a boca aberta. Em uma tradução, possivelmente ficaria “Comprei um carro novo” ou “Comprei um novo carro.” Em ambos os casos, o som da letra “o” faz com que a fala termine (logo a boca do personagem também) de modo mais fechado, não havendo uma equivalência com o original do ponto de vista fonético.
“Mas, Paulo, você falou de trocar a ordem das palavras das falas. Isso pode?” Olha, poder pode, mas depende do caso, né? Trocar para se ter um bom sincronismo é válido, agora o que não vale é conseguir esse sincronismo sacrificando a naturalidade da fala, pois é o que tende a acontecer quando se quer trocar demais. Muitas vezes, o que acaba acontecendo é a criação de falas nada naturais em português, e não é o nosso intuito ao se traduzir para dublagem.
Se uma fala terminar em “too”, por exemplo, coloque o “também” no começo da frase e, no final ponha um adjetivo que termine em “o”, se possível, como na frase “I got a great present too”, que pode ser traduzida como “Eu também ganhei um presente ótimo.”
Para dar um exemplo na língua espanhola, no livro O processo da tradução para dublagem brasileira: teoria e prática, temos uma dica de Duda Espinoza, dublador e diretor de dublagem que lida muito com produções desse idioma: “Por exemplo, ‘Hoy tenemos que empezar nuestros trabajos!’ pode ser traduzido por ‘Nossos trabalhos devem começar hoje!’ Não está errado, porém a labial não ficará tão boa. Se a tradução ficar ‘Hoje teremos que começar os nossos trabalhos!’, a labial fica perfeita. Por isso, todo tradutor deveria conhecer melhor o que buscamos dentro do estúdio quando realizamos um trabalho de dublagem com qualidade.”
Observe, por exemplo, o bom sincronismo labial nesta cena da série infanto-juvenil Heidi: Bem-vinda à casa, traduzida pela minha amiga tradutora e colega de trabalho, Natália Estrella.
Por fim, o terceiro tipo de sincronismo está relacionado às expressões faciais e aos movimentos corporais, ou seja, aos gestos realizados pelos personagens das produções audiovisuais.
A imagem precisa estar alinhada com o que o personagem fala, então, por exemplo, se um personagem balança a cabeça negativamente, ele não pode dizer: “sim” e vice-versa, não é verdade? O “não” acompanhado de uma cabeça balançando positivamente causa estranhamento, já que a imagem e a palavra se chocam, algo que não deve ocorrer. É importante se lembrar que na dublagem, a palavra e a imagem se retroalimentam a todo instante, logo é preciso manter essa relação.
Para exemplificar, observe alguns gestos dos personagens Lance e Keith e suas respectivas falas, em um episódio da 3ª temporada do desenho Voltron: o Defensor Lendário.
Para encerrar este post, gostaria de recomendar a leitura de um artigo escrito pela tradutora Dilma Machado, inteiramente dedicado a esse assunto! Espero que tenha gostado desse terceiro post da programação especial do mês do tradutor aqui no Traduzindo a Dublagem, e não se esqueça de deixar o seu comentário.
Um grande abraço e até a semana que vem com o penúltimo post deste mês festivo! 😉
Principais fontes consultadas:
O processo da tradução para dublagem brasileira: teoria e prática, de Dilma Machado
Audiovisual Translation: dubbing, de Frederic Chaume
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