A primeira entrevista do ano tem que ser especial, não é verdade? Você já se perguntou como é ser um tradutor para dublagem responsável pelos principais lançamentos cinematográficos do ano? Se a sua resposta foi positiva, boa parte das suas dúvidas será sanada com essa entrevista espetacular. No final do mês de setembro do ano passado, tive o prazer de entrevistar Mário Menezes, um dos principais tradutores para dublagem do Brasil. Quer conferir o nosso papo? Garanto que não vai se arrepender. 😉
Ele me recebeu em sua casa e passamos algumas horas conversando sobre o nosso ofício como tradutores, mas com foco na tradução para cinema, área na qual Mário atua há mais de 10 anos! O resultado do nosso papo você confere abaixo. Espero que goste, deixe o seu comentário e até o próximo post! 😉
Paulo Noriega: “Mário, por favor, conte como você se tornou tradutor para dublagem.”
Mário Menezes: “Conheci o Sérgio de La Riva na escola de química quando eu tinha 17 anos. Eu era calouro e ele estava no quarto período. Nós fizemos o trote juntos e nos conhecemos. Um ano depois, larguei a química e fui fazer letras na PUC-RIO. Anos e anos depois, ele foi meu aluno no Brasas duas vezes e passado um tempo, eu saí do Brasas e fui dar aula no Oxford aos sábados.
Um belo dia, apareceu o Sérgio de La Riva nos corredores e eu estava indo dar aula. Aí eu perguntei: ‘E aí, e a química?’ E ele respondeu: ‘Ah, não, eu estou trabalhando com o meu pai fazendo dublagem.’ O meu olho brilhou, ele me deu um cartão, e foi assim que começou. Mas ele me deu treinamento, é muito importante falar isso.
Fiquei três meses treinando, ele me dava West Wing e Third Watch. Ele me passava alguns episódios dessas séries e eu traduzia, mas não eram usados. Eu ia pro estúdio, ficava com os diretores Pádua, Monjardim e Telmo, e fui conhecendo aqueles diretores até que o Sérgio me deu meu primeiro desenho: Zeta. E aí foi assim, eu comecei na Delart-Rio, meu primeiro cliente.”
Paulo Noriega: “Quais são as produções mais famosas que você já traduziu, inclusive as de cinema?”
Mário Menezes: “Olha, vamos lá. Pra cinema, eu poderia dizer: A Era do Gelo 4, A Lenda de Beowulf, A Liga Extraordinária, a trilogia dos filmes do Batman do Nolan, Harry Potter e a Ordem da Fênix, Lanterna Verde, a trilogia das Crônicas de Nárnia, Os caçadores de Obras-Primas, Piratas do Caribe 3 e 4, os quatro filmes em CG da Tinkerbell, Cinquenta tons de cinza… São muitos, mas posso falar os que eu mais amo? Nem foram pra cinema, mas eu amei Como se fosse a primeira vez. A dublagem desse filme é maravilhosa! É um prazer ver dublado, eu nem consigo ver em inglês… As branquelas! Nossa, foi muito bom! Na minha cabeça, comédia é dublada e ponto final! Desenho animado é dublado e ponto final! (ri)
Mas enfim, tem as outras mídias além de cinema, né? Por exemplo, a redublagem de Crepúsculo pra globo foi minha, Contatos imediatos de terceiro grau, a redublagem foi minha… O guia do mochileiro das galáxias com a supervisão do Garcia Júnior também ficou maravilhoso!
Tem as legendas também, e aí eu destaco as do filme Lincoln. Eu quase enlouqueci, foi muita responsabilidade. Teve gente do consulado me ligando e eu também ligando pra lá (ri). Com desenhos animados, traduzi Ben 10, Hora de aventura, Kim Possible, Liga da Justiça, Phineas e Ferb, fiz muitos desenhos do Scooby Doo… e me aventurei um pouco em outras línguas também. Foi em menor escala, mas não fiz feio não, tá? (ri)”
Paulo Noriega: “Falando em cinema, você é um dos principais tradutores brasileiros desse segmento. Quando surgiu a oportunidade de conseguir atuar nessa área específica e permanecer nela por tantos anos?”
Mário Menezes: “Meu primeiro filme pra cinema foi o primeiro Homem-Aranha com o Tobey Maguire. Na verdade, eu tinha traduzido esse longa pra Cinevídeo. Só que o cliente resolveu que ia dublar pra cinema, e aí o filme foi dublado na Delart, e acabou não sendo dublado na Cinevídeo. Foi assim que peguei meu primeiro filme pra cinema. Não lembro qual foi o segundo longa que eu fiz, mas o primeiro a gente não esquece, né?
Agora como eu me mantive nesse segmento, eu queria deixar isso registrado porque é muito importante: qualquer pessoa que pretenda ser ou se diga tradutor para dublagem e não vai em estúdio, pelo menos, uma vez por mês, não desenvolverá todo seu potencial e estará perdendo a melhor parte de ser tradutor pra dublagem. Foi assim que eu me mantive: indo a estúdios até hoje.”
Paulo Noriega: “E Mário, uma dúvida que muitos têm: quais são as principais diferenças entre traduzir produções para televisão ou até pra outras mídias como a Netflix e traduzir para cinema?”
Mário Menezes: “Bom, no meu processo pessoal como tradutor, eu diria que muda muito pouca coisa, mas uma dublagem de cinema sempre envolve supervisão de pessoas contratadas pelo próprio cliente, ou seja, da Fox, da Sony, da Warner, da Universal, seja quem for. O cliente também costuma mandar uma lista com os pontos que ele considera cruciais, as piadas, trocadilhos e tal. São os KNPS (Key notes and phrases) e neles, a gente tem que colocar a tradução e a back translation também. Dependendo, acontecem reuniões, eu já fiz reuniões por skype. Dependendo do caso e do cliente, também mandam o tradutor e o diretor de dublagem lá pra fora ver o filme e/ou participar de um brainstorm.”
Outra coisa importante são as famosas preliminares: preliminar 1, preliminar 2, preliminar 3, versão pseudofinal, final pseudofinal 1, final revisado 2 e, às vezes, tem até a versão final final! Eu gosto muito disso porque te dá mais tempo pra pensar. Quando chega a preliminar 2 um mês depois, por exemplo, eu já tive novas ideias, aí você aperfeiçoa aos poucos o filme. Às vezes, do começo do projeto até o final da produção toda leva uns 3, 4 meses.
Enfim, o tempo é um fator que diferencia e ganha-se mais também. Fora que você é muito mais exigido do que quando é pra tv, por exemplo. Ah, e uma coisa também em relação ao valor maior: eu ganho mais pelas mídias que aquela produção vai alcançar, então eu ganho pelas mídias cinema, TV paga, TV aberta e outras.”
Paulo Noriega: “Mário, na sua opinião, por que os nomes dos tradutores atuantes no segmento do cinema se repetem tanto? Você acha que por ser um cargo de extrema confiança, essa função fica limitada a um certo número de tradutores ou é porque apesar de a demanda de dublagem ter aumentado, os tradutores ainda conseguem dar conta do recado?”
Mário Menezes: “Pra começar, são poucos os estúdios que fazem cinema, né? Só isso já reduz a panela e se tradução, como você mesmo disse, já é um cargo de confiança, ser tradutor de cinema é um cargo de mais confiança ainda, porque você entra em contato com o cliente do seu cliente. Você tem que ter uma postura, um equilíbrio emocional e um nível de profissionalismo maravilhoso. Não pode dar xabu, entendeu? (ri) Imagina se você perde o cliente do seu cliente? Não pode. Tem que segurar a onda! E tem que ter um inglês muito bom pra se comunicar, obviamente, né?
Eu conversei com o João Saldanha na época do filme Rio, por exemplo. Foi ótimo trabalhar com ele! Mas você também pega pessoas mais inflexíveis e tem que ter postura mesmo e lembrar que você está lidando com o cliente primário que está dando muito dinheiro pro seu cliente aqui. Não é pra abaixar a cabeça sempre, mas é preciso manter uma constante emocional. Ponto. Se chorar, só se for no banheiro da sua casa (ri). Nada de cara feia, cara emburrada ou outros “climas”. E sim, apesar de a demanda ter aumentado muito em dublagem, os tradutores dão conta, a gente dá conta.”
Paulo Noriega: “E acredito que pelo fato de você ter meses pra traduzir um filme, dá pra pegar mais de um filme de cinema por vez, correto?”
Mário Menezes: “Com certeza, sem dúvida. Às vezes uns três ou quatro. Isso sem contar a legenda, né? Já que eu também traduzo legendas pra cinema.”
Paulo Noriega: “Maravilha! Mário, por fim, quais são as qualidades que um tradutor para dublagem de excelência deve ter?”
Mário Menezes: “Olha… é preciso ter um domínio mega-master da língua inglesa e portuguesa. E o que eu quero dizer com ter domínio da língua? Eu lembro que revisei umas coisas pra Discovery na Herbert Richers, e lembro que uma tradutora excelente havia traduzido uma frase que no final terminava com “at clover”. A tradutora traduziu o “clover” por “trevo”, porque enfim, “clover” é trevo, né? Eu vi o vídeo, mas não tinha “trevo” nenhum, ou seja, na verdade, era uma expressão idiomática!
Você tem que ter esse domínio da língua que faz você desconfiar das coisas. O maior erro que um tradutor pode cometer são dois: “Só pode ser” e “Eu acho que é”. É emocional, você tem que sentir essa sensação se formando no útero (ri). É uma sensação de preguiça. “Ah, eu acho que é…” ERROU! ERROU! Quando você sentir isso, vai olhar, vai pesquisar. É um átimo emocional. É assim que age um tradutor de excelência. Ele não cairá nessa! É um exercício constante. Outro erro: “ah, só pode ser isso…” Não, não… não. Cuidado com isso.
Outra coisa que acontece muito: “não sei, logo adapto.” Não, não, adaptação é OUTRA coisa! “Não sei, adapto” é sacanagem, desculpa. Olha a cena mil vezes e pensa: “ah, é isso!” Pode não ser, então cuidado. Vá aos estúdios sempre que puder, sempre que puder mesmo! E português, muito português! Sabe, quando eu comecei, eu me daria 5,6 pro meu português, hoje eu dou 8,7.
Por exemplo, se fala raios ultra-violeta e carros cinza. Por que essas palavras, ficam no singular? Porque existe um substantivo, existe “cinza” de cigarro, que é substantivo, então no caso das cores, fica no singular. Mas óbvio que tem um limite, né? Porque senão você acaba pirando e se torna purista. É importante saber o certo pra decidir errar. E não pode ter medo de oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de gerúndio (ri). Enfim, português sempre.”
Natália Estrella
20 de janeiro de 2017Incrível, Paulo! Maravilhosa entrevista! Curto mil vezes.
pfcnoriega
22 de janeiro de 2017Que bom que gostou, Natália!! =))
Ligia Ribeiro
23 de janeiro de 2017Oi Paulo. Desculpe a demora, mas o trabalho chegou com tudo este ano. Thanks God! Bom, não podia deixar de ser uma entrevista maravilhosa. Se o conhecesse pessoalmente, iria explorá-lo de tantas perguntas…,rs. Uma coisa que me chamou muito a atenção foi a menção do “Achismo”. Isso realmente acontece. Às vezes, você não encontra a tradução da expressão idiomática e se coloca no “Acho que é isso…”, pelo contexto. Mas, no fim, não é. Concordo plenamente quando ele diz que comédia e desenho só se forem dublados. Não tem graça nenhuma em inglês. Pelo menos, pra mim. Mas uma dúvida ocorreu quando ele aborda o assunto financeiro. Ele diz que ganha por mídias. Não entendi. Mas no geral, excelente. Parabéns!
Mário Menezes
23 de janeiro de 2017Oi, Ligia Ribeiro. Ganha-se 3, 4 vezes mais do preço praticado pelo estúdio dependendo do cliente, e abro mão pro uso da minha tradução como o cliente achar melhor (e.g.: marketing, brinquedos, trailers etc)
pfcnoriega
24 de janeiro de 2017Que bom que gostou, Ligia!! =) Sempre tentando trazer só gente boa aqui pro blog rs Foi um prazer entrevistá-lo e foi a primeira de muitas outras entrevistas que virão esse ano, fique ligada por aqui! 😉
Janine
7 de fevereiro de 2017Paulo, você já foi meu aluno, não foi? Parabéns pela iniciativa! O conteúdo da entrevista é riquíssimo. Seria ótimo se o Mário Menezes aceitasse dar uma palestra sobre o assunto para a turma de Inglês 8.
pfcnoriega
9 de fevereiro de 2017Sou eu mesmo, professora! Muito obrigado! =)
Guga Almeida
1 de março de 2017Uma ótima entrevista, com excelentes pontos de reflexão e crítica. Eu já havia visto algumas postagens dele no grupo Tradução e dublagem, e me pareceu ser uma pessoa singular, daquelas que te instigam a melhorar e a desenvolver suas capacidades intelectuais e profissionais, buscando sempre a excelência pela sua atividade; e/ou profissão. Como ele mesmo mencionou, tinha um português 5,6, que agora, se tornara um 8,7, sendo muito criterioso e exigente, acredito. Estudar, pesquisar, aprender, trabalhar e melhorar sempre.
mais uma vez, parabéns pelo seu trabalho, essa seção de entrevistas do site é ótima.
pfcnoriega
3 de março de 2017Que bom que curte as entrevistas, Guga!! =) Fico muito feliz.
Adriana
29 de setembro de 2018A-do-ro o Mario! Muito fera! Excelente entrevista.
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