Quando se pensa em músicas dubladas, é provável que alguma da Disney tenha vindo à sua mente. Acertei? Pois é, as músicas nas produções audiovisuais podem ter um papel primordial, como no caso das animações clássicas da Disney e, outras vezes, não serem de grande importância, mas ainda assim estarem presentes, mesmo que em pequena escala.
Por ser um assunto tão rico e tão vasto, anuncio que está no ar mais um mês temático, minha gente! Em homenagem ao dia 22 de novembro, dia do músico, o Traduzindo a Dublagem terá uma programação exclusiva com foco em um dos meus assuntos favoritos dentro do universo da dublagem, assunto que me levou, inclusive, a escrever a minha monografia de especialização: as músicas na dublagem!
Por isso, meu querido leitor, aconchegue-se na sua cadeira e relembre suas músicas dubladas preferidas, porque está começando o NOVEMBRO MUSICAL! 😉
Neste primeiro post, vamos abordar um pouco sobre as principais dúvidas que as pessoas têm em relação a esse tema: quem é o responsável pela adaptação das músicas? É o tradutor para dublagem ou outro profissional? Quem são os versionistas e diretores musicais, profissionais cruciais na esfera musical da dublagem? Dependendo da natureza da música, os procedimentos sempre são os mesmos?
Antes de mais nada, é preciso entender que existem diversos tipos de música que podem pintar em uma produção audiovisual, ou seja, nem sempre quando se fala de música em dublagem, estamos nos referindo a um número grandioso e memorável, como se costuma pensar. Para cada tipo de música, vamos ver juntos as principais características, como o tradutor para dublagem deve agir em cada caso, e quais são os outros profissionais que são acionados nessa cadeia específica da dublagem. Pronto? Vamos lá!
Aqui entram os principais exemplos e expoentes quando se pensa em músicas dubladas, em geral, as animações mais aguardadas como as da Disney e da Dreamworks. No entanto, qualquer outra produção, mesmo que de uma empresa menor e que seja marcada por números musicais relevantes, entra nessa categoria.
Do ponto de vista técnico-narrativo, esses números são aqueles momentos do produto em que há uma trilha sonora e um ou vários personagens cantando em uma cena, de modo a contribuir para a narrativa que está sendo contada. A diferença é que esses momentos são feitos em forma de canção (algo que algumas pessoas estranham, mas eu, particularmente, adoro rs). Se pegarmos os clássicos da Disney, teremos incontáveis exemplos desses números musicais que, marcadamente, têm uma importância para a trama. Dessa forma, o ideal não é deixá-los no original, ainda mais que o gênero das animações é dedicado, primeiramente, ao público infantil.
Na maioria das vezes, especialmente nas animações, o cliente pede que se duble essas músicas, levando em consideração todas as características musicais necessárias (prosódia, rima, métrica, melodia…), e é aí que entram em ação dois profissionais extremamente importantes: o versionista ou letrista e o diretor musical. Nesse momento, você me pergunta: “Mas Paulo, e o tradutor para dublagem?”
Diferentemente do que se pensa, o papel do tradutor para dublagem nesses casos é apenas sinalizar a existência desses momentos musicais e realizar a tradução literal, geralmente em um documento separado. É para realizar a tradução bruta mesmo, sem levar em conta nenhum elemento musical, apenas passar a mensagem nua e crua. Tudo bem até aqui? 😉
Após isso ser feito, quando o tradutor envia a tradução dos diálogos e o arquivo com as canções traduzidas para o estúdio, entra em cena o versionista ou letrista que, pautado na tradução literal enviada pelo tradutor, fará a versão em português da música, agora sim levando em conta os aspectos musicais citados no parágrafo anterior. Em outras palavras, é graças ao versionista que as músicas estrangeiras se tornam músicas nossas e que carregamos com a gente, sabendo muitas delas de cor e salteado.
Em relação ao diretor musical, ele é o responsável por coordenar e executar a dublagem das canções dentro dos estúdios em conjunto com os cantores escolhidos. Aqui é necessário dizer que há casos em que o versionista e o diretor são o mesmo profissional, ou seja, o mesmo que concebe as letras no nosso idioma é o mesmo que as dirige e as executa.
Se pararmos para pensar, acaba sendo um processo mais lógico, pois se o letrista e o diretor musical não estiverem em total sintonia, pode ser complicado para o diretor entender as escolhas do versionista e conseguir executá-las de forma precisa, principalmente se ele não estiver acompanhando as gravações. De modo geral, tanto o letrista quanto o diretor musical são músicos ou, pelo menos, têm uma forte formação musical, como Marcelo Coutinho e Félix Ferrà, dois dos principais diretores e versionistas do Brasil.
Ainda neste campo, outra questão importante de ser comentada é que, caso você nunca tenha percebido (o que eu acho um pouco difícil rs), em muitos casos, o dublador(a) dos diálogos, não costuma ser o mesmo(a) das canções. E por quê? Bom, a resposta é um pouco óbvia, mas não é todo mundo que consegue cantar bem e atingir as notas musicais que algumas músicas exigem. Um excelente dublador(a) de diálogos pode não se sair muito bem nos momentos musicais, por isso, ocorre uma tentativa de encontrar cantores(as) que tenham vozes parecidas com as dos dubladores(as) dos diálogos.
Na dublagem, chamamos isso de “match de voz”, ou seja, existe uma preocupação de ir em busca de vozes semelhantes, de modo que a disparidade não fique tão evidente. É uma tarefa fácil? Com certeza, não. Ah, e vale lembrar que esse fenômeno acontece em muitos outros países também e não é uma particularidade brasileira.
Uma coisa legal é que, ao menos nos longas de animação da Disney, tem havido, nos últimos anos, uma tentativa de conseguir um mesmo profissional responsável pelos diálogos e pelas canções. Um exemplo recente foi a personagem Elsa, da animação Frozen: uma aventura congelante, em que a dubladora e cantora Taryn Szpilman foi a responsável por dublar e cantar as músicas da rainha de Arendelle.
Os chamados ditties são musiquinhas simples e curtas, digamos assim. Por serem de natureza mais simples e não configurarem um número musical propriamente dito, eles podem ficar a cargo do tradutor para dublagem realizar a adaptação, uma vez que não costumam ser muito elaborados.
Os ditties, pela minha experiência, não costumam passar de dez versos. Por conta disso, não é necessário chamar um versionista para realizar a adaptação de algo tão curto, concorda? No entanto, é necessário que o tradutor leve em consideração aqueles elementos musicais exigidos para o ditty funcionar, como métrica e rima, por exemplo, já que a tradução literal não funciona nesses casos.
Meu conselho é que o tradutor para dublagem, preferencialmente, não só goste, como também tenha noções musicais básicas, pois nunca se sabe quando algum projeto exigirá esses conhecimentos musicais e, por que não, artísticos, não é verdade? Um exemplo de um ditty típico que posso dar é um que apareceu em um dos episódios do desenho Sanjay e Craig que traduzi durante um tempo há alguns anos:
Nos ditties, dependendo do caso, o dublador dos diálogos pode ser o mesmo que irá cantá-los, justamente pela natureza musical simples. Por exemplo, o dublador Paulo Vignolo, responsável por dublar o personagem Craig, cantou o ditty acima.
Para os casos em que as músicas serão apenas legendadas, o processo para o tradutor para dublagem é o mesmo citado no caso 1 dessa lista, ou seja, ele traduzirá literalmente as canções em um arquivo separado, não precisando se preocupar com os aspectos musicais e sim, com a mensagem em si. Ah e, obviamente, se as músicas serão legendadas, nada de cantores, versionistas e diretores musicais, certo? 😉
Há músicas mais recorrentes e que já tem uma adaptação consagrada para o nosso idioma, principalmente em termos culturais como cantigas infantis e músicas populares e natalinas, por exemplo. Como esquecer o nosso famoso “Parabéns pra você” ou a canção natalina “Bate o sino”? São exemplos clássicos de canções que têm suas adaptações próprias para o nosso idioma e que, naturalmente, devem ser respeitadas.
Há casos em que até mesmo uma música ganha uma adaptação dublada no Brasil, se torna um ícone e também passa a adquirir esse status de música consagrada. Para entender, dá um play no vídeo:
Vai dizer que não reconheceu a música tema de Pokémon cantada pelos meninos na dublagem do longa Cidades de Papel? Pois é, esse anime foi uma febre aqui no Brasil há alguns anos, e essa música foi muito marcante para os fãs (e para mim, inclusive rs), por isso, decidiu-se manter a adaptação na dublagem desse longa. Tenho que admitir que quando fui assistir no cinema, tive que cantar, mesmo que baixinho, afinal, um hino é um hino.
São músicas que não têm acompanhamento instrumental e que podem recair no caso das canções consagradas, por exemplo. Nesse caso, digamos que um personagem cante o clássico “Parabéns pra você”. Não será necessário chamar um cantor para isso, logo o dublador pode cantar essa música sem problemas, e ela pode estar apenas no arquivo de dublagem, não precisando estar em um documento separado como no caso dos números musicais relevantes.
Os raps são, de certa forma, semelhante aos ditties, ou seja, podem ficar a cargo do tradutor para dublagem. Entretanto, os raps tendem a ser casos mais complexos, pois, dependendo do caso, podem não ser curtinhos como os ditties e, em geral, costumam oferecer uma dificuldade maior de adaptação para a nossa língua, principalmente porque a rima e a métrica são extremamente importantes e presentes nesses casos.
Eu mesmo já adaptei raps e posso garantir que são experiências muito desafiadoras, mas é muito gratificante ouvir as letras que você concebeu na tela. Nesses casos, o(s) dublador(es) podem cantá-los, já que não costumam ser números musicais elaborados, mas vale a pena lembrar que cada caso é um caso, e o estúdio e o cliente farão o que julgam ser o mais adequado.
E aí, gostou do primeiro post do Novembro Musical? Fique por aqui porque é só o começo! Não se esqueça de deixar o seu comentário e espero você no próximo post, viu? Um grande abraço! 😉
Fontes consultadas:
O processo da tradução para a dublagem brasileira: Teoria e Prática, de Dilma Machado
Guilherme Borges
4 de novembro de 2017Oi, Paulo! Uau! Ótimo tema para o mês! Estou ansioso para os próximos posts! Fiquei com interesse de já ler mais sobre o assunto e gostaria de saber se tem como eu ter acesso à sua monografia de especialização? Muito obrigado pela dedicação que tem tido com o blog!
Paulo Noriega
10 de novembro de 2017Oi, Guilherme! Estou te respondendo só agora, me desculpe. Que bom que se interessa pela área musical. Se quiser, vá na página profissional no facebook: Paulo Noriega e me manda um inbox que consigo te encaminhar minha monografia, ok? Grande abraço!
Klaus Bentes
5 de novembro de 2017Excelente post! Esse tema é muito interessante! Adaptar música para dublagem ainda tem o fator complicador de ter que encaixar com a boca do personagem. Já quero ler os outros posts do mês!
Paulo Noriega
10 de novembro de 2017Grande Klaus! Obrigado pelo prestígio de sempre. Os próximos posts serão bem legais, eu garanto! 😉
Martha
19 de fevereiro de 2018Muito bom post! Bastante esclarecedor. Certamente de grande ajuda para o tradutor para dublagem iniciante. Obrigada!
Paulo Noriega
21 de fevereiro de 2018Que bom que gostou, Martha!!! Fico feliz de saber que os iniciantes estão se beneficiando. Grande abraço.
Viviane Andrade
23 de abril de 2018Mais uma vez, excelente. Sabia um pouco sobre o tema, mas saio desta leitura com mais conhecimento sobre o tema. Parabéns!
Paulo Noriega
26 de abril de 2018Que bom, Viviane! =))
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